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A força do aconchego: doulas alagoanas atendem pelos SUS e transformam a experiência do parto em hospital de Maceió

Projeto no Hospital da Mulher que oferece serviço de doulagem é pioneiro no Brasil e auxiliou de forma humanizada milhares de mães alagoanas, mas enfrenta diminuição no número de profissionais

Por Malu Arruda* 14/03/2025 08h08 - Atualizado em 14/03/2025 10h10
A força do aconchego: doulas alagoanas atendem pelos SUS e transformam a experiência do parto em hospital de Maceió
Pioneiro no Brasil, projeto que levou doulas alagoanas a atender pelo SUS enfrenta luta para não retroceder - Foto: Cortesia ao JAL

“Pedi muito a Deus por alguém que me ajudasse durante o parto, além do meu marido, um profissional é diferente, e quando ela entrou se apresentando, eu comecei a chorar de felicidade”. O depoimento de Marina Lúcia, revela o quão marcante foi ter o contato com uma doula durante o momento do parto de sua 1ª filha.

Aurora nasceu em 2022, no Hospital da Mulher, em Maceió. A unidade de saúde foi pioneira no Brasil a contar com doulas para atender pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no pré, parto e pós parto.

Os serviços prestados por essas profissionais têm acompanhado centenas de mulheres alagoanas em um momento tão importante quanto simbólico para quem está prestes a se tornar mãe. Marina descreveu a presença da doula “como um anjo” que entrou na sua vida.

“Era meu desejo ter uma doula, que descobri nas pesquisas durante a gravidez, mas eu não tinha como custear. Fui pega de surpresa quando cheguei para o parto e uma das profissionais era a Flávia. A Flávia foi um anjo que entrou na minha vida", revelou. 

A mulher citada por Marina é Flávia de Melo, enfermeira e doula especializada, que atua no Hospital da Mulher desde 2021. Ela foi uma das primeiras doulas contratadas pelo SUS, e citou que a grande importância do seu trabalho é “devolver para a mulher o protagonismo do parto que nunca deveria ter sido tirado”.

A enfermeira Flávia de Melo atua como doula do SUS. Foto: Cortesia ao JAL

“A presença da doula ela vem muito assim para desenvolver essa ideia, a proposta da humanização é permitir que a mulher tenha o direito de fazer todas as escolhas de forma consciente”, completou Flávia.

Antes, o parto era um evento comunitário e feminino. Com as doulas seguiu-se a ideia de que fossem mulheres a apoiar as parturientes, dando a garantia de um ambiente de confiança e, principalmente, acolhimento. Com a medicalização isso se perdeu.  Pouco valorizada no meio obstétrico, as doulas buscam garantir seu espaço e têm estudado formas de ajudar gestantes por meios não farmacológicos, com o intuito de humanizar mulheres em momento de vulnerabilidade.

Um dos dados mais impressionantes veio de uma pesquisa realizada em um hospital da África do Sul, que constatou que o apoio oferecido por doulas durante o trabalho de parto pode reduzir significativamente o risco de depressão pós-parto e ansiedade, porque promovem uma transição mais suave para a maternidade.

As doulas possibilitam uma abordagem centrada na mulher que valoriza sua autonomia, bem-estar emocional e necessidades individuais.

A alagoana Danielle Victoria também teve o suporte de doula durante o parto de seu filho Nicolas Levi, no Hospital da Mulher. “Eu estava tão vulnerável, sentindo tanta dor e ter ela ali me auxiliando para amenizar a dor e me dar conforto {...} me senti mais confiante, foi essencial”.

Lutando pela humanização


Um dos principais problemas enfrentados por doulas brasileiras são as contradições que existem no sistema de saúde, pois existem manuais que descrevem as políticas de humanização, entretanto o modelo médico-centrado ainda é o que predomina na área obstetrícia.

Procurada pela reportagem, Morgana Eneile, presidenta da Federação Nacional de Doulas do Brasil (Fenadoulas) afirmou que este modelo torna a dinâmica complexa a partir da integralidade da saúde, "tanto da pessoa grávida, quanto do bebê".

A integralidade, explica Morgana, é um dos principais princípios do Sistema de Saúde Único (SUS) e significa considerar as pessoas como um todo, atendendo a todas as suas necessidades. Segundo ela, há uma luta diária pela manutenção e funcionamento desse princípio. "Para que no momento do parto seja levado em conta todos os sentimentos das parturientes para que suas dores sejam amenizadas", detalha. 

De acordo com a Constituição Federal de 1988 o Estado tem o dever de oferecer um “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”, e esse é um dos papeis da doulagem, trazer a informação para gestantes com o intuito de minimizar as dores e que esta mulher compreenda todas as etapas do delicado processo que ocorre nas maternidades. 

A presidenta da Fenadoulas acredita que a falta de informação ainda é um grande desafio a se vencer e consolidar a importância do papel profissional da categoria. "Isso se afirma porque uma das principais demandas da doulagem é o suporte informacional, suprindo com conhecimento questões trazidas pelas mulheres e pessoas que vivenciam esse momento", completa. 

Doulas no HM


Somente Alagoas, de todo o país, tem uma equipe de doulas no Sistema Público de Saúde, elas atendem no Hospital da Mulher (HM) e são plantonistas, mas ainda existem pontos a serem melhorados no estado, como a contratação de mais doulas para estarem disponíveis durante todo o plantão.

Até julho de 2023, eram 6 profissionais, que chegaram a auxiliar de forma humanizada e responsável, 49% das gestantes que passaram pelo Hospital da Mulher, especializado em saúde feminina. Em novembro de 2024, com apenas 3 doulas para preencher a escala, o número de grávidas atendidas foi de apenas 25%. Hoje, permanecem sendo três as profissionais que compõem o quadro do HM. Apesar disso, Alagoas continua sendo referência por ofertar esse tipo de serviço através do SUS.

Danielle Victoria que teve seu parto no HM declara: “Quando eu cheguei ela [doula] não estava de plantão então fiquei mais ou menos 7 horas sem doula, se tivesse realmente uma doula 24h teria sido mil vezes melhor toda a experiência”.

Reconhecimento da profissão




“A precarização do atendimento no início da vida reverbera ao longo de toda a vida do indivíduo.” essa é uma frase escrita na carta de encerramento do primeiro encontro nacional das doulas no SUS. Nesse sentido, para garantir excelência no atendimento, que foi criado o Projeto de Lei 3946/21, que regulamenta a profissão de doula no Brasil.

A proposta é assinada pela ex-senadora Mailza Gomes (AC) e o projeto já passou pelo Senado e está em tramitação na câmara de deputados. A PL assegura que a doula possa estar presente em maternidades e demais estabelecimentos de saúde — tanto públicos quanto privados — sempre que a gestante o solicitar, abrangendo todo o período de trabalho de parto, inclusive em situações de intercorrências e de aborto legal.

O projeto de lei também delimita onde a doula deve atuar e o quais são suas funções durante o parto, a autora do projeto em sua justificação deixa claro que as doulas não substituem o cuidado da família, nem a assistência dos profissionais de saúde, mas desempenha papel diverso, fazendo a ponte entre a pessoa grávida e a equipe de saúde.

Atualmente, as associações junto da federação de doulas estão na linha de frente para a regularização de sua profissão, fazendo viagens para Brasília para pressionar os parlamentares e criando uma abaixo-assinado para chamar atenção da importância do projeto de lei.

Com o reconhecimento da doulagem vai existir uma forma garantia de que todas as pessoas grávidas do Brasil possam contar com o apoio, que Rosiane Oliveira, última presidente da Associação de Doulas de Alagoas, descreve como algo que não diz como tem que ser mas que orienta, que sugere com carinho e respeito.

Origem da doulagem


A palavra doula tem origem grega e se traduz por “mulher que serve”, o que explica a função de amparar gestantes, dando suporte físico e emocional à gestante e aos seus familiares. Para ocupar essa profissão não é necessário ser enfermeira ou fisioterapeuta, existe um curso para exercer essa função no momento do parto.

Apesar de parecer uma prática recente, o apoio durante o parto é ancestral. Desde a antiguidade as gestantes já buscavam ajuda extra – seja de uma mãe, avó ou tia – para tornar esse momento mais seguro e acolhedor.

Atualmente esse momento pode ser mais seguro junto das doulas, criando um ambiente reconfortante para que a gestante se sinta acolhida e protagonista do parto.

O trabalho existe há mais de cinco décadas de existência e foi oficialmente reconhecido em 2013 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) como ocupação, com o registro CBO 3221-35 e listagem de atividades.


*Estagiária sob supervisão