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Aumento de casos na Europa levanta alerta sobre abandono de distanciamento

OMS afirma que contágio entre os mais jovens contribui para nova alta e pede responsabilidade com pais, avós e comunidades

Por O Globo 30/07/2020 07h07
Aumento de casos na Europa levanta alerta sobre abandono de distanciamento
Foto: Nacho Doce / REUTERS

Dois meses após o fim das quarentenas, os países europeus mais afetados pela Covid-19 se veem diante de  um novo aumento dos casos que, embora muito longe do pico da pandemia, acende o sinal amarelo. Autoridades de saúde temem que as populações estejam relaxando o distanciamento social e fazem apelos para que as pessoas se mantenham em guarda.

Segundo os dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da Europa, a taxa de notificação de casos registrados nos últimos 14 dias apresentou tendência de crescimento em pelo menos sete dos países mais atingidos em março e abril, entre eles a Espanha, a França e a Bélgica. O temor é que o descumprimento das diretrizes faça com que a situação saia de controle.

À BBC, o diretor da Organização Mundial da Saúde no continente, Hans Kluge, afirmou que a alta do contágio entre a população jovem pode ser um dos fatores que contribuem para a tendência de alta. Imagens de boates lotadas em Ibiza e aglomerações de jovens adultos em Lisboa e Paris, por exemplo, chamam atenção. 

—  Estamos recebendo relatórios de várias autoridades de saúde sobre uma proporção maior de novas infecções entre jovens. Para mim, é o suficiente para repensarmos a melhor maneira de envolver os jovens —  disse Kluge. — Eles têm uma responsabilidade em relação a si mesmos, a seus pais, avós e comunidades. E agora sabemos como adotar comportamentos bons e saudáveis, então vamos aproveitar esse conhecimento.

Para especialistas ouvidos pelo Financial Times, é possível traçar um paralelo entre o cenário atual e o visto em fevereiro e março, quando as infecções começaram a crescer com velocidade. Em muitos países, os primeiros pacientes eram jovens oriundos do exterior, que transmitiram o vírus para pessoas idosas e com comorbidades prévias, com mais chances de desenvolverem quadros graves.

— Do nada, os números começaram a crescer, mas na verdade já estavam aumentando gradualmente no último mês ou dois — disse ao FT Graham Medley, professor na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres. —  Não há um gatilho em particular, é apenas parte do processo de crescimento exponencial.

Risco turismo

A situação é particularmente crítica na Espanha, onde os focos infecciosos se concentram nas regiões de Aragão, Navarra e Catalunha.  Nos últimos 14 dias, o país registrou uma taxa de 51,1 novos casos para cada 100 mil habitantes. O número é bastante inferior aos 217 casos por 100 mil habitantes registrados no início de abril, mas ainda assim é cinco vezes superior à média vista no meio de junho.

Frente a isso, a Alemanha e a França desaconselharam viagens para o território espanhol. Similarmente, Reino Unido e a Noruega, estipularam quarentena obrigatória para aqueles que tiverem pisado no país. Portugal, onde a taxa de disseminação é de 33,8 para cada 100 mil habitantes, também sofre restrições de nações como Irlanda, Bélgica e Finlândia.

Os países ibéricos criticam as limitações: Madri as chama de “discriminatórias”, enquanto a Chancelaria portuguesa argumenta que as medidas descumprem o pacto firmado no início de julho para reabrir as fronteiras internas. Ambos países têm grande dependência do turismo e retomá-lo nesta alta temporada de verão é considerado fundamental para reaquecer a economia.

A cautela, no entanto, prevalece entre as autoridades do bloco. Nesta quarta, decidiu-se restringir ainda mais o número de nacionalidades cujos cidadãos tem aval para entrar na Europa para fins turísticos, que passou de 14 para 11. A Argélia foi removida, seguindo o que aconteceu com a Sérvia e Montenegro no início do mês. O Leste Europeu, que conseguiu ter relativo sucesso no controle inicial da pandemia, agora também enfrenta alta de casos.

 

Medidas adicionais

Para manter o turismo o mais seguro possível, medidas adicionais também são adotadas. No aeroporto de Berlim, por exemplo, passageiros vindos de “áreas de risco” já estão sendo submetidos a testes para a Covid-19 na hora do desembarque, que serão compulsórios a partir da semana que vem. O país, tido como um caso de sucesso no controle da doença, registrou quase 4 mil novos casos na semana passada. Sua taxa de infecção nos últimos 14 dias é de 8,7 para cada 100 mil habitantes, número ligeiramente superior à média das semanas anteriores.

Demonstrando “muita preocupação”, o diretor do Instituto Robert Koch, Lothar Wieler, creditou o aumento à “negligência" do cumprimento das medidas de distanciamento social. O premier da populosa região da Bavária, Markus Söder, também declarou ao jornal Bild Zeitung que o “corona está voltando, e com força”.

Tom similar foi adotado pelo ministro da saúde da França, onde os mais de 6,2 mil novos casos registrados na última semana, dos quais 1.400 nesta quarta, também apontam para um relaxamento excessivo. Segundo Olivier Verán, manter a guarda é fundamental para evitar uma nova quarentena.

— Nossas ações determinarão se teremos uma epidemia que é controlável ou se haverá muitas bolhas que escaparão do controle — disse na semana passada Jean-François Delfraissy, principal conselheiro científico do Palácio do Eliseu.