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Ritmo de desmatamento da Floresta Amazônica ultrapassa a sua recuperação

Cientistas brasileiros e britânicos descobrem que matas jovens não absorvem todo o CO2 que se estimava devido à devastação

Por O Globo 13/10/2020 07h07
Ritmo de desmatamento da Floresta Amazônica ultrapassa a sua recuperação
Arco do desmatamento: florestas secundárias às margens da BR-158, na fronteira do Mato Grosso com o Pará Foto: Ana Lucia Azevedo

Na Amazônia, o desmatamento é tão crítico que as chamadas florestas secundárias, nascidas em áreas desmatadas, “não dão vencimento”, na expressão de ribeirinhos do Pará para dizer que algo é insuficiente. No caso, elas não conseguem se desenvolver em ritmo e volume necessários para absorver significativamente o carbono oriundo do desmatamento e ajudar no controle de mudanças no clima.

A descoberta é de cientistas brasileiros e britânicos. Eles descobriram que as florestas secundárias absorveram menos de 10% do carbono emitido pelos desmatamentos nos últimos 30 anos. O estudo foi publicado na revista científica Global Change Biology.

Há dois motivos principais para a pouca absorção de carbono. O primeiro são as altas taxas de desmatamento, a derrubada avança muito mais depressa do que a capacidade de recuperação da Floresta Amazônica. O segundo é que as florestas secundárias são também alvo de derrubada, abatidas quando ainda são muito jovens.

— As estimativas sobre a capacidade de absorção de CO2 das florestas secundárias eram mais otimistas do que a realidade. Isso ocorreu porque eram baseadas em áreas de muita floresta. Mas a maioria dessas matas está nas frentes de desmatamento — explica Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental, que estuda a conservação de florestas em áreas de expansão da agropecuária.

As florestas secundárias ou capoeiras (do tupi “mato baixo”) ocupam uma área de aproximadamente 130 mil quilômetros quadrados, dos 700 mil quilômetros quadrados que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) estima terem sido desmatados na Amazônia.

Uma área três vezes maior que a do estado do Rio de Janeiro está coberta por essas capoeiras, que se espalham nas bordas de frentes de desmatamento ou como ilhotas em oceanos de terra arrasada, distantes das florestas primárias, que funcionam como bancos de sementes. E, se não bastasse, a maioria tem vida curta.

Principal autora do trabalho, Charlotte Smith, da Universidade de Lancaster (Reino Unido), observa que o potencial de absorção de carbono das florestas secundárias é imenso. Porém, leva tempo para que elas possam estocar grandes quantidades de CO2, e o ritmo intenso em que avança o desmatamento não tem dado a elas esse tempo e desperdiçado seu potencial.

‘Como uma criança’

Especialista em florestas tropicais, Jos Barlow, da Universidade de Lavras (MG), diz que, na Amazônia, 85% das florestas secundárias não chegam a 20 anos de idade e cerca da metade tem menos de 5 anos. Isso acontece porque essas matas são frequentemente derrubadas.

Exemplos disso são vistos com facilidade, por exemplo, junto à BR-158, na região onde o Mato Grosso se encontra com o Pará, em pleno Arco do Desmatamento. De tronco fino como braço de criança e pouco maiores que um homem adulto, arbustos ali tombam com facilidade para dar lugar a pastagens.

Esses arbustos, como de resto as florestas secundárias, são como crianças frente à maturidade das matas amazônicas primárias, originais.

— Uma floresta secundária é como uma criança, cresce depressa, mas demora para acumular massa e carbono. Já as florestas primárias, perenes e maduras guardam muito carbono armazenado — afirma Ferreira.

Os cientistas empregaram dados abertos do MapBiomas para calcular a idade, o estoque de carbono e a idade das florestas secundárias da Amazônia brasileira. Estudaram o período de 1986 a 2017. A intensificação do desmatamento ocorrida em 2019 e 2020, portanto, não entrou nessa conta.

Ainda assim, o resultado preocupa e dá ideia da dimensão do desafio à frente. Pois, em três décadas, o crescimento de florestas secundárias compensou apenas 10% das emissões geradas pela destruição das florestas primárias.

Barlow destaca que a descoberta só reforça a importância de deter o desmatamento:

— As florestas secundárias são muito importantes. Porém, a Amazônia leva muito tempo para se regenerar e voltar a prestar serviços ambientais. O desmatamento e os danos são imediatos, mas a recuperação é lenta.