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Pesquisa realizada em Maceió delineia a realidade do trabalho infantil na capital do estado

Márcia Iara Costa Rêgo, UFAL, realiza a primeira pesquisa, em Alagoas, sobre o trabalho infantil de crianças e adolescentes

Por Secretaria de Estado da Assistência e Desenvolvimento Social 15/06/2020 17h05
Pesquisa realizada em Maceió delineia a realidade do trabalho infantil na capital do estado
Imagem Ilustrativa, Foto: Reprodução

Márcia Iara Costa Rêgo, professora associada da Faculdade de Serviço Social, da UFAL, realiza a primeira pesquisa, em Alagoas, sobre o trabalho infantil de crianças e adolescentes.

A pesquisa  intitulada “Crianças em Perigo: o trabalho infantil nos mercados públicos e feiras livres de Maceió” delineia a realidade do trabalho infantil na capital do estado. O levantamento de dados foi realizado, entre os anos de 2018 e 2019, em seis feiras livres e nove mercados públicos. Foram inseridas no processo investigativo 20 escolas do Ensino Fundamental I e II, e da Educação de Jovens e Adultos (EJA), situadas no entorno desse comércio. É a primeira pesquisa, em Alagoas, sobre o trabalho infantil de crianças e adolescentes.

O estudo encontrou 423 pessoas, entre crianças e adolescentes, desenvolvendo atividades laborais nas feiras livres e mercados públicos, e 522, nas escolas da rede municipal. Eles executavam atividades, classificadas na  Lista Tip, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre as piores formas de trabalho infantil.  Em suas tarefas diárias, os infantes conciliavam trabalho, escola, afazeres domésticos e cuidado de pessoas. 

A pesquisa surgiu em resposta à demanda do Ministério Público do Trabalho (MPT), quando da implantação do “Programa MPT na Escola: de mãos dadas contra o trabalho infantil”. Foi  coordenada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL) e desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Rede Questões Geracionais e Políticas Públicas, coordenado pela docente. 

Neste mês da Campanha 12 de Junho - Dia Mundial e Nacional contra o Trabalho Infantil, a pesquisa está em consonância com as diferentes iniciativas que visam alertar, inclusive, sobre o crescimento do trabalho infantil no período de Pandemia da COVID-19. 

Confira abaixo a entrevista concedida por Márcia Iara Costa Rêgo à Secretaria de Estado da Assistência e Desenvolvimento Social (Seades) sobre os dados obtidos em sua pesquisa e a importância da realização de estudos dessa natureza.

SECRETARIA DE ESTADO DA ASSISTÊNCIA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL: Qual a importância da realização de pesquisas sobre o trabalho infantil? No que elas influenciam as políticas públicas voltadas ao tema? 

MÁRCIA IARA COSTA RÊGO: Ao  mostrar o retrato das infâncias que habitam e trabalham nos diversos territórios, a pesquisa possibilitou compreender a realidade vivenciada por esses sujeitos. Deu visibilidade às violências que se processam fora da escola. O processo investigativo deu voz aos diversos atores: famílias, professores, conselheiros e profissionais da assistência social. Deu voz principalmente a crianças e adolescentes trabalhadores, principais agentes deste processo, que,  em sua maioria,  são negros e negras. 

Todos estes elementos criam possibilidades para  analisar, qualificar e fortalecer políticas públicas de enfrentamento à temática. Além de contribuir para desenhar ações intersetoriais.

SEADES: Quais os dados mais significativos, relativos a crianças e adolescentes, obtidos na pesquisa? 

MICR: No que se refere à pesquisa desenvolvida nas feiras livres, foi possível constatar que, desde a tenra idade, crianças e adolescentes iniciam as atividades na companhia dos pais.  É nesse momento que começam a ser socializadas e moldadas para o trabalho. São aprendizes de um ofício árduo, desgastante, que se materializa ao contrário do que está previsto na legislação em vigor. 

Quanto às atividades desenvolvidas, prevaleceram aquelas vinculadas à agricultura ou ao setor de serviços. Nota-se maior incidência de crianças e adolescentes no comércio ambulante, com 68,7% e no carrego, com 14,7%. Mas foi assustador presenciar meninos e meninas na mendicância e a recolher restos de alimentos para o próprio consumo e/ou da família. Para além destes, verificou-se que, neste espaço, alguns infantes faziam uso de substâncias ilícitas. São crianças e adolescentes que amargam uma vida de privações. 

A partir da Lista Tip, foi possível revelar o retrato da informalidade entre os escolares. Na pesquisa desenvolvida nas escolas, prevalecem atividades tradicionais vinculadas ao setor de serviços, consideradas como porta de entrada para o mercado de trabalho (comércio ambulante, serviços domésticos, automotores, artesanato); em seguida, atividades relacionadas à construção civil (pintores de paredes, ajudante de pedreiros, carregadores de areia e/ou tijolos, fabricantes de gesso). E, por fim, os marisqueiros, pescadores, cuidadores de cavalos, de gado, porcos, e a colheita de frutas. É importante frisar que são ocupações com baixa remuneração e marcadas pela ausência  de direitos trabalhistas.

Estudos desenvolvidos pela UNICEF, em 2019, revelaram que, além de ser um ambiente de aprendizagem, a escola se constitui como um local em que é possível desenvolver relações de afeto e de valores. É necessário que esta se constitua enquanto um ambiente protetivo, o que requer um trabalho intersetorial e uma infraestrutura adequada, além de uma comunidade escolar preparada para atender às diversas demandas que se apresentam. Sem ações articuladas em rede, a escola não conseguirá avançar. Especialmente em territórios vulneráveis, marcados pela dinâmica das violências.

SEADES: Existe predominância de raça, sexo e faixa etária entre as crianças e os adolescentes que executam o trabalho infantil em Maceió?

MICR: Nas feiras livres e mercados públicos, foi possível  constatar que 47,4% das crianças e adolescentes em situação de trabalho estavam na faixa de 10 a 14 anos, mas chamou atenção a presença de crianças entre 5 e 9 anos. Estas correspondiam a 8,2%. O percentual de meninos que trabalhavam nas feiras atingiu a casa dos 75,7%. Do total de crianças trabalhadoras inseridas nestes espaços, 86,2% eram negros. Ressalta-se que 81,6% dos pesquisados afirmaram estar matriculados no Ensino Fundamental.   

Nas escolas pesquisadas, 75.3% estavam na faixa de 10 a 14 anos, mas foi relevante a incidência de trabalho infantil na faixa de 5 a 9 anos, o que corresponde a 20,5%. No tocante ao sexo, prevaleceram meninos, com  61,7%. Quanto à cor ou raça, os dados revelaram que 74,7% dos pequenos trabalhadores eram negros e 87% dos infantes cursavam o Ensino Fundamental I.

SEADES: Por que foram definidos feiras livres e mercados públicos como locais para o levantamento dos dados da pesquisa? 

MICR: Devido à necessidade do MPT de obter informações em tempo hábil para o desenvolvimento de políticas públicas, articuladas com a rede de atendimento à criança e ao adolescente, mas a maior motivação foi dar visibilidade a situações de desproteção e trabalho informal, vivenciadas pelos infantes e, a partir daí, qualificar políticas públicas voltadas para o tema em pauta.   

SEADES: É possível fazer uma relação entre a pandemia da COVID-19 e o aumento da quantidade de crianças e adolescentes no trabalho infantil?

MICR: Proteger os direitos de crianças e adolescentes neste período de pandemia é crucial.  Estudo desenvolvido pela Visão Mundial, em países que sofreram com a epidemia do Ebola, entre 2014 e 2016, na África Ocidental, revelaram que, apesar de os adultos terem sido os mais afetados por esta doença, as repercussões secundárias poderão colocar meninos e meninas em risco de vida. Ainda de acordo com o estudo, a realidade vivenciada em países, que passaram pela epidemia do Ebola, pode referenciar países que estão passando pela pandemia da Covid19. 

Desta forma, é crucial criar estratégias para reduzir os riscos de crianças e adolescentes que habitam em territórios vulneráveis. Crianças em situação de trabalho perigoso, por pertencerem  majoritariamente a famílias empobrecidas, habitam em locais que não permitem o cumprimento do distanciamento físico e estão sujeitas à contaminação. Geralmente nesses territórios inexiste acesso à água ou mesmo ao saneamento básico.  Para além dos riscos inerentes ao vírus, meninos e meninas podem sofrer diversas formas de violências, a exemplo, da sexual, da doméstica, da desnutrição, de gênero, além de agravos à saúde provocados pelo acesso limitado aos serviços de atenção básica. 

Para manter sua sobrevivência, agravada pelo aumento exponencial da pobreza, do desemprego, das desigualdades sociais e territoriais, são lançadas ao mercado de trabalho informal, especialmente nas feiras livres. Também podem estar inseridas em outras atividades muitas vezes invisíveis aos olhos da sociedade. A pandemia também poderá  impactar a saúde mental dos infantes. Situações extremas serão vivenciadas por crianças, adolescentes e famílias em situação de rua. 

Torna-se importante manter políticas públicas protetivas na área da saúde, assistência e educação, direcionadas às famílias com crianças e adolescentes em situação de trabalho, que vivenciam de forma transversal outras formas de violências. 

SEADES: Quais os principais fatores que levam crianças e adolescente ao trabalho infantil? 

MICR: A pobreza, a desigualdade e o desemprego estrutural levam  à inclusão precoce de crianças e adolescentes no mercado de trabalho, além de contribuir para a perpetuação deste ciclo. Para além destes aspectos, é necessário estabelecer uma relação simbiótica com a questão de gênero e raça. 

SEADES: Há um culpado ou um contexto responsáveis pela presença de crianças e adolescentes no mercado informal de trabalho?

MICR: As desigualdades sociais e econômicas representam uma das principais desvantagens para crianças pobres e, especialmente, negras. Trata-se de uma força de trabalho de baixo custo e altamente lucrativa. O setor de serviços é o que mais absorve essa força de trabalho. São trabalhos precários, perigosos e com jornadas extensas. 

SEADES: A médio e longo prazo, é viável  prever as consequências na vida de crianças e adolescentes da prática do trabalho infantil?

MICR: Através da pesquisa, foi possível constatar que a criança ocupada, além de gastar suas energias vitais, tem o rendimento escolar reduzido. A inserção precoce no mercado de trabalho e a consequente infrequência, seguida da evasão escolar, criam impedimentos para uma futura inserção qualificada no mercado de trabalho. A inclusão dos infantes em trabalhos exaustivos, além de prejudicar o desenvolvimento escolar, traz sérios agravos à saúde física e mental. O pequeno trabalhador pode estar suscetível a acidentes de trabalho,  e/ou adoecimentos que podem deixar sequelas para o resto da vida. E, em algumas situações, pode sofrer acidentes letais. Sem falar das diversas violências que podem sofrer em seu cotidiano.

SEADES: Como a inserção precoce no mercado de trabalho prejudica a qualificação adequada para a inserção profissional na idade certa?

MICR: As crianças e adolescentes em situação de trabalho estão sujeitas à infrequência e à evasão escolar. Muitos podem estar em situação de distorção idade-série. Consequentemente, em atraso escolar. Tal situação limita ou impede uma inserção futura e  qualificada no mercado de trabalho, que cada vez mais exige polivalência e novas habilidades, ou seja, acesso ao conhecimento e à informação. Quando adultos, ocuparão emprego precários e mal remunerados. Todo esse processo contribui imensamente para perpetuar o ciclo geracional de pobreza e violências a que são submetidos cotidianamente. 

SEADES: O que pode ser considerado como Trabalho Perigoso segundo a OIT? Esse tipo de trabalho é exercido por crianças e adolescentes na capital do estado?

MICR: A OIT, em 2016, considerou Trabalho Perigoso qualquer atividade realizada por crianças que, por sua natureza ou tipologia, traga efeitos negativos para a segurança, a saúde física e mental e o desenvolvimento moral dos infantes. O perigo pode resultar tanto da intensa carga de trabalho, como das condições em que este se realiza, ou da intensidade da jornada de trabalho. As situações encontradas durante a realização da pesquisa se encaixam neste conceito. 

SEADES: O trabalho infantil formal é menos prejudicial às crianças e aos adolescentes do que a informalidade?

MICR: Por lei, o trabalho só é permitido a partir dos 14 anos de idade e na condição de aprendiz. Parte-se da hipótese de que as atividades se processem de forma planejada,  monitorada, conforme aponta as normativas relativas ao tema. E que ocorram em horários estabelecidos por lei, sempre na perspectiva de propiciar o trabalho decente. 

De acordo com o discurso governamental, além de estudar, o adolescente aprendiz deve participar de cursos profissionalizantes ministrados por instituições qualificadoras, a exemplo do SENAI, SENAC, SENAR, SENAT, SESCOOP, ou por instituições sem fins lucrativos, que objetivem prestar assistência e educação profissional. Tais instituições devem ser registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.  Porém, vale ressaltar que devemos acessar o direito de crianças e adolescentes à escola, ao lazer e à saúde física e mental. Nosso propósito deve caminhar no sentido de garantir seu desenvolvimento integral. 

SEADES: Uma pesquisa desse porte envolve muitos atores. Quais pessoas tornaram possível a realização deste estudo?

MICR: Dentre as instituições, é  importante citar a  iniciativa do MPT/AL, através da Procuradora do Trabalho, Virginia Ferreira; a  FAPEAL,  a  UFAL, o  FETIPAT, a SEMED, a SEMAS, o CMDCA e o Conselho Tutelar, mas também faço um agradecimento especial  aos discentes e profissionais que fazem parte do Grupo de Pesquisa Rede Questões Geracionais e Políticas Públicas. A pesquisa foi fruto de um esforço coletivo de todos estes atores.