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Agricultor alagoano ganha certidão de nascimento pela 1ª vez aos 46 anos

Segundo explica a juíza Natália Cerqueira de Castro, "é como se ele não existisse"; Defensoria entrou com ação em 2022

Por Redação com UOL 25/03/2025 17h05
Agricultor alagoano ganha certidão de nascimento pela 1ª vez aos 46 anos
Segundo explica a juíza Natália Cerqueira de Castro, "é como se ele não existisse" - Foto: Arquivo Pessoal

Um agricultor alagoano ganhou vida nova, pelo menos em termos cartoriais, ao registra-se pela primeira vez como cidadão brasileiro, aos 46 anos de vida. 

Edmilson dos Santos, nascido e criado em Traipu, no Sertão de Alagoas, ganhou seu primeiro e único documento: a certidão de nascimento, emitido na última quinta-feira (20), pelo cartório da cidade. 

O agricultor, que mora nno povoado Chã do Barro, no vizinho município de Girau do Ponciano (a 153 km de Maceió), vive da agricultura de subsesitência, em um terreno pertencente ao seu sogro. Ele nunca foi ao médico para consulta e nem mesmo ao dentista.Também não teve acesso aos serviços públicos. 

Segundo explica a juíza Natália Cerqueira de Castro, autora da sentença, "é como se ele não existisse". A reportagem de Carlos Madeiro, no UOL, precisou ligar para o celular de um amigo, que o acompanhou até o cartório, nesta quinta-feira. 

Edmilson nunca estudou na vida, e por isso não sabe ler ou escrever. "Meu avô que me botou para trabalhar desde novo na roça, e nunca deixei", diz. “Eu nunca tive nada [de documento] na vida. Só fazia meu serviço: plantar macaxeira, feijão, milho e abóbora para comer.

Certidão para batizar filha

Vivendo em uma união estável há cerca de 25 anos (não lembra a data exata) e com quatro filhos, ele afirma que só decidiu buscar a Justiça para ter uma certidão em 2022, quando o padre que iria batizar Maria Luna (sua filha menor, hoje com 2 anos de idade) disse que era necessário ele ter ao menos uma certidão de nascimento para isso. "Aí eu fui atrás, não queria deixar ela sem batismo", explica.

Filho de mãe solteira, Edimilson foi abandonado pelo pai quando ainda bebê e criou-se junto aos avós maternos. Sem documentos, ele não pôde colocar seu nome no registro em nenhum dos filhos —o que pretende fazer de imediato a partir de agora.

Os dois irmãos e as duas irmãs que ele possui têm certidão. Por que então só ele não tem? "Porque minha mãe não fez na época", responde com a sinceridade peculiar de um sertanejo.

Sem identificação, sem atendimento

Uma das tensões vividas pelo homem que não tinha documentos deu-se no hospital, em 2022, quando, ao sentir uma dor intensa, precisou procurar a unidade. Porém, sem documentos, precisou da intervenção do melhor amigo, Ernandes Messias dos Santos, também agricultor, de 39 anos. 

“Eu tinha registro no hospital e eu que o levei; disse isso, mas a mulher afirmou que tinha de ter ao menos o cartão do SUS. Aí eu disse: 'como ele vai ter, se não tem nem o registro? Vai deixar o homem morrer por causa disso?'", clamou Ernandes. 

O médico plantonista foi sensibilizado pela súplica e atendeu Edmilson. Após a suspeitas de pedra no rim ou na vesícula ter sido descartada, o médico disse que a dor nas costelas sentida por ele tratava-se de um mau jeito. 


Edmilson e o amigo Ernandes no cartório de Traipu (AL) em busca da certidão de nascimento
Edmilson e o amigo Ernandes no cartório de Traipu (AL) em busca da certidão de nascimentoImagem: Arquivo pessoal



Como chegaram até a data


A ação de Edmilson foi ingressada em junho de 2022 pela DPE (Defensoria Pública do Estado). Por conta da falta de documentos, o MP (Ministério Público) de Alagoas foi acionado para se manifestar no caso.

A sentença que deu o direito a Edmilson ter uma certidão foi dada na quarta-feira (19) pela juíza Natália Cerqueira de Castro, da Vara de Único Ofício de Girau do Ponciano.

A juíza explica que a verdadeira identidade de Edmilson foi comprovada após pegar o nome dos pais e dos avós e ouvir testemunhas. Com isso, chegaram ao local, o ano e o mês de nascimento dele. "É como se ele não existisse", disse a magistrada.

Como não se sabia o dia exato de nascimento, foi escolhida a data de 19 de março, dia de São José, uma data marcante e simbólica na cultura nordestina: diz a crença popular que se chover nesse dia, o ano será de boa colheita.