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Redução da maioridade penal segue na contramão mundial

O Japão, por exemplo, de 14 anos, elevou recentemente a maioridade penal para 21 anos.

Por Terra 06/04/2015 10h10
Redução da maioridade penal segue na contramão mundial

A redução da maioridade penal no Brasil de 18 para 16 anos, cuja admissibilidade foi aprovada na última terça-feira na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, colocaria o Brasil na contramão daquilo que é praticado no mundo.
Além de ser pequeno o contingente de países que adotam idade menor a 18 anos como definição legal de adulto (análise ONU sobre 57 nações identificou essa realidade em apenas 17% deles), movimentos recentes atuam em direção oposta.

O Japão, por exemplo, que classifica a delinquência juvenil a partir dos 14 anos, elevou recentemente a maioridade penal para 21 anos. Movimento semelhante vem sendo debatido na Inglaterra, onde a responsabilidade começa aos 10 anos, a prisão é admitida aos 15, mas a idade legal do adulto só é alcançada aos 21. Entre os ingleses, o debate atual busca aumentar a faixa etária inicial.

A aprovação do tema no Legislativo brasileiro ainda está longe de ser definitiva. Como próximo passo, uma comissão especial será criada na Câmara para análise do conteúdo da proposta e de 46 emendas já apresentadas. A votação de terça-feira, no entanto, representa um dos passos mais marcantes em 22 anos de tramitação do projeto.

Maioridade penal no mundo

 A análise da maioridade penal no mundo coloca a idade de 18 anos como a praticada por grande parte das nações. Conforme a pesquisa "Crime Trends", realizada pela ONU, essa é a regra, por exemplo, em países do Mercosul (como Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai), da Europa (entre eles, França, Honduras e Noruega) e na China.

Algumas nações europeias utilizam sistemas mistos, nos quais a responsabilidade penal de adultos inicia aos 18, mas só é completa aos 21. É o caso, por exemplo, de Alemanha, Espanha, Grécia, Itália e Inglaterra.

Na outra ponta, os Estados Unidos adotam a maioridade penal cujas regras variam entre jovens de 12 a 16 anos. Conforme o estado norte-americano, adolescentes podem até ser condenados à prisão perpétua ou morte. O país não ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.

Outros casos de maioridade penal inferior à praticada no Brasil aparecem no Canadá (com critérios diferentes para jovens entre 14 e 18 anos), Rússia (entre 14 e 16) e Turquia (15 anos).

Entidades criticam 

Após a votação na Câmara, entidades de magistrados especializados na infância e juventude se manifestaram contra o projeto. À Agência Câmara, o presidente da Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e da Juventude (ABRAMINJ), Renato Rodovalho Scussel, afirmou que o clamor por mais segurança pública não será resolvido pela adoção da medida.

Já a presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP), Maria Roseli Guiessmann, que também integra a  Comissão de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), considerou o avanço da proposta como um retrocesso, em um ato que engana a sociedade e retira direitos consagrados dos jovens.

Em seu site, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Nacional) manifestou contrariedade à decisão, baseando-se em dados que atestariam a medida como inócua. A entidade cita levantamento do Conselho Nacional de Justiça, que identificou que 47% dos internos em centros de reabilitação têm entre 16 a 17 anos e que 42% têm de 14 a 15 anos. “Os crimes que eles cometem são praticamente do mesmo tipo.

Portanto, apenas baixar a idade penal para 16 anos não resolverá completamente o problema”, destaca em nota.

Especialistas divergem

 Apesar do posicionamento convergente das entidades, o tema não desfruta de consenso entre juristas.

O doutor em Ciências Jurídicas Têndeles Barros, professor da Universidade Estadual de Roraima e professor de Direto Penal e Processo Penal no Centro Universitário Estácio-Atual da Amazônia, avalia que seria “inocência” acreditar que criminosos entre 16 e 18 anos não possuem discernimento de seus atos. Ele alega ainda que os adolescentes de hoje, que podem votar, casar, constituir empresa e cujo acesso à tecnologia é facilitado, estão mais bem preparados para entender a natureza dos crimes.

Para Barros, a punição exemplar de menores serviria de alerta para outros jovens e, com isso, reduziria a participação dos adolescentes em ações criminosas, com o que concorda o advogado criminalista Euro Bento Maciel Filho, do escritório Euro Filho Advogados Associados.
Euro Filho entende, contudo, que isso se daria em um momento inicial, mas que não perduraria em razão da demora do Estado para aplicar as sanções. Nesse cenário, então, os antigos “menores” estariam motivos a retornar às práticas delitivas, defende o advogado.

Ele também acredita que, se adolescentes de 16 ou 17 anos são hoje os que mais se envolvem nas práticas delitivas, com a mudança, aqueles com idades entre 13 e 15 anos passariam a ser usados pelas quadrilhas criminosas. “A redução da maioridade penal irá criar uma nova categoria de delinquentes, qual seja, o ‘bandido mirim’ ou ‘fraldinha’”, opina.

Para o advogado, se faz prioritária uma alteração radical no sistema carcerário, que vise propiciar um tratamento digno ao preso. Ele considera que, ao serem trancafiados em cadeias comuns, tendo contato com infratores já experientes, os menores jamais voltarão ao saudável convívio social e irão se perder na criminalidade. “Nossas cadeias irão se tornar ‘ninhos’ de criminosos, na exata medida em que adolescentes serão facilmente corrompidos pela criminalidade organizada”, avalia.

Têndeles Barros revela o mesmo entendimento, enfatizando a necessidade de discussão do tema com cautela e responsabilidade. “Não podemos simplesmente jogar esses adolescentes infratores dentro desses depósitos de gente, que chamam de penitenciárias ou cadeias. Deve-se construir espaços de recuperação, com escola e trabalho específicos para os adolescentes que cometeram crimes hediondos, onde possam serem preparados para voltar a vivem como cidadãos de bem”, pontua.

Na análise do professor, contudo, apenas as atuais medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não são suficientes para corrigir o adolescente infrator. Sua efetitividade, considera ele, só se dá casos de adolescentes que cometem leves infrações penais ou quando primários e pertencentes a um ambiente sem violência ou injustiça social.

Euro Filho avalia que a efetiva solução do problema está, justamente, na alteração do ECA. Ele defende que as medidas socioeducativas possam ser aplicadas de forma proporcional não só ao ato infracional praticado, como também à sua gravidade, tornando o instrumento mais rigoroso na punição aos menores infratores, sobretudo, os reincidentes.