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O estilo “House of Cards” da política brasileira, segundo o NYT

Manobras de Cunha, Renan e Temer para aumentar o poder não perdem em nada para a série da Netflix

Por Isto é dinheiro 29/04/2015 08h08
O estilo “House of Cards” da política brasileira, segundo o NYT

A atual situação da política brasileira não deve em nada para a badalada série “House of Cards”, produzida pela Netflix. Em vez do maquiavélico Frank Underwood, interpretado pelo ator Kevin Spacey, a trama brasileira é estrelada pelos presidentes do Senado, Renan Calheiro, da Câmara, Eduardo Cunha, da República, Dilma Rousseff, e seu vice, Michel Temer. “Esse é o “House of Cards” no estilo brasileiro, em que os líderes do Congresso ocupam o espaço, enquanto a presidente está fraca”, afirmou o cientista político David Fleischer, ao jornal americano The New York Times.

Reportagem publicada no domingo 26 pelo NYT relembra os movimentos dos personagens principais nos bastidores de Brasília. “Os chefes do Congresso colocaram em marcha uma estratégia de, simplesmente, deixar Dilma ao sabor do vento”, disse Fleischer.

A manobra é baseada no baixíssimo índice de aprovação de Dilma, neste momento. O jornal lembrou pesquisa do Datafolha, segundo a qual, apenas 13% dos brasileiros ainda apóiam a presidente. Além disso, o NYT cita o desgaste sofrido por Dilma com o escândalo de corrupção descoberto na Petrobras pela Operação Lava Jato. Embora ressalte que, até aqui, não há provas de que a presidente tenha sido, pessoalmente, favorecida pelo esquema, o jornal americano observa que o caso se aproximou bastante do Palácio do Planalto, com a prisão do ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto.

Personagens fortes

O enredo do seriado brasileiro é ainda mais apimentado pelo perfil dos que estão ocupando esse vácuo de poder. O NYT lembra que Renan Calheiros é acusado de evasão fiscal, uso de jato do governo para fins particulares e de pressionar um lobista a pagar a pensão de uma filha que teria fora do casamento. Já Eduardo Cunha enfrentaria uma lista de acusações, que vão de corrupção até supostamente morar em um apartamento pago por um doleiro.

Segundo a reportagem, assinada pelo jornalista Simon Romero, os presidentes da Câmara e do Senado aproveitam os problemas de Dilma para desviar a atenção pública de seus próprios. O texto cita, ainda, os desentendimentos entre Renan e Cunha. Embora pertençam ao mesmo partido – o PMDB -, ambos não se “conversam olho-no-olho”, segundo o jornal, e divergem em assuntos básicos, como o relaxamento do controle de armas e a maioridade penal. Cunha, evangélico e conservador, é a favor dessas medidas. Já Renan não teria tanto entusiasmo.

O texto menciona também o senador Cristovam Buarque, do PTB, para quem as manobras do PMDB são uma espécie de golpe de Estado. “Em vez de um general, brigadeiro e almirante agindo com o apoio das Forças Armadas, temos o vice-presidente e os chefes do Congresso manobrando, com o apoio das tropas do PMDB”, afirmou Buarque.

Outro ingrediente lembrado pelo jornal é o fato de que o PMDB é o principal partido de sustentação de Dilma, em parceria com o PT, ao qual é filiada. Temer é o presidente nacional da legenda e assumiu a articulação política do governo, após as grandes derrotas de Dilma, no início do segundo mandato, como o orçamento impositivo e a resistência a aprovar medidas de austeridade fiscal.

Se fosse estrelar o House of Cards brasileiro, Cunha seria, talvez, o personagem mais curioso. “Ele é sádico, difícil, esperto e carismático”, afirmou Claudio Lembro, ex-governador de São Paulo, ao jornal Valor Econômico, também citado pelo NYT. “Se Dilma me procurasse, um dia, para pedir conselhos, eu lhe diria para ler Maquiavel”, disse. “Se você não pode vencer o inimigo, junte-se a ele”. Nem que seja para estrear um seriado baseado em fatos reais – no caso de Dilma e seus aliados de Brasília.