Nacional
Geração de 20 a 30 anos não conheciam crise econômica
A primeira crise a gente nunca esquece. Uma geração de jovens adultos, entre 20 e 30 anos, enfrenta, pela primeira vez, algo que só viu em livros ou nas histórias de seus pais: crise econômica com inflação alta, instabilidade política, descontrole fiscal e, principalmente, desemprego e recessão. A bonança do mercado de trabalho dos últimos dez anos — que beneficiou esses jovens — deu lugar a uma taxa de desemprego de 16,4% em maio para quem tem entre 18 e 24 anos. Há um ano, o percentual estava em 12,3% nas grandes metrópoles. A inflação, que parecia vencida há 20 anos, assusta novamente, em torno de 9% ao ano, corroendo os ganhos das famílias. A desesperança diante das expectativas cada vez piores do desempenho econômico completa o quadro com o qual essa geração terá que lidar.
O avanço educacional e o colchão de proteção social criados a partir da Constituição de 1988 e engordados nos últimos anos dão mais armas para essa geração em contraponto a seus pais. Em 2004, somente 32,9% dos jovens entre 18 e 24 anos estavam na universidade. Em 2013, essa parcela tinha subido para 55%.
— As expectativas também estão mais altas. As famílias que têm ainda alguma gordura para queimar vão deixar os filhos se especializando mais até o mercado melhorar — afirma a antropóloga social e demógrafa Joice Vieira, que estudou a transição para a vida adulta.
É isso que o estudante de Jornalismo Rafael Loreto Fernandes pretende fazer. Está na segunda faculdade — é formado em Relações Internacionais, domina inglês, francês, espanhol e “arranha” alemão — e teme o momento em que terá de deixar os bancos escolares:
— Nasci em 1990. Só ouvi histórias de crise dos meus pais. Minha moeda sempre foi o real. Estou muito assustado. O mercado de trabalho está expulsando profissionais que já são bem remunerados, especializados. Quando começar a absorver pessoal novamente, vão dar preferência a pessoas que já têm experiência, coisa que o recém-formado não tem.
Marcelo Medeiros, sociólogo da UnB e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), diz que, neste momento de crise, a competição se dará com gente muito mais qualificada.
— Ensino médio não é mais vacina contra pobreza. E há a competição geracional. Esses jovens já competem com os adultos mais velhos.
As ruas podem ser o outro caminho a ser tomado por essa geração, diante da tendência de mobilização da juventude. Em épocas de bonança, lembra Joice, o individualismo avança mais. Na crise, o comportamento é o inverso:
— É uma geração que foi criada na democracia, tem direito à voz. Estamos vendo isso na Europa. São jovens bem formados que podem ser uma voz importante nesse momento, gerando soluções, pressionando e questionando.
Dentro das empresas, o medo do desemprego se instalou, na opinião da especialista em marketing Carla Galo, que viaja o Brasil todo fazendo palestras sobre gestão de negócios:
— É uma geração que não tinha medo de romper. Se estava insatisfeito na empresa que não se alinhava aos seus propósitos, começava já a namorar outra. Agora vê o amigo sendo demitido. Pela primeira vez, está sentindo que seu emprego está ameaçado.
Ter que demitir também é outra missão que não estava no radar dessa juventude. Paulo Sardinha, coordenador da pós-graduação de Gestão de Recursos Humanos do Ibmec/RJ e presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RJ), afirma que o choque chegou por meio da necessidade de demissão e do aperto do orçamento:
— Pela primeira vez, eles estão lidando com a reestruturação da equipe, inclusive tendo que demitir pessoas mais velhas que eles. Não estão preparados para demitir, fizeram carreira olhando para cima, ampliando a equipe. São mais técnicos, distantes de questões do orçamento. Agora são obrigados a ver as contas, fornecedores, não dá para se preocupar somente com lado técnico.
Carla concorda que, na hora de cortar custos, há uma paralisia, principalmente no comércio:
— Todo o treinamento no comércio foi feito para vender, nunca para lidar com eficiência, com corte de despesas. É uma situação para a qual eles não foram preparados. Numa palestra, perguntei o que é eficiência. Somente os grisalhos responderam de pronto.
Acostumados a consumir, essa juventude terá que deixar de lado os chamados bens de luxo. O economista Eduardo Velho, que viveu situação semelhante nos anos 1990, quando o então presidente Fernando Collor confiscou o dinheiro da população para combater a inflação, que custou ao país dois anos de recessão e a volta da inflação de maneira mais explosiva ainda, lembra que o exame para mestrado em Economia nunca teve tantos candidatos:
— Esses jovens consomem muito, principalmente bens de luxo. Deve diminuir a venda de tablet e a procura por cursos extraclasse, como balé, academia. Mas essa geração é mais empreendedora, ao contrário da minha. Muitos estão montando seus próprios negócios quando têm alguma poupança.
Carla também está notando mais jovens tentando empreender:
— É uma cultura mais recente, mas que vem desde a escola para essa geração. Diante da crise, estão dispostos a tentar o próprio negócio.
Maycom Brum, de 27 anos, morador do Complexo do Alemão e estudante de Publicidade, diz que ser contratado ao fim da faculdade não é uma preocupação. Ele pretende abrir uma agência onde mora para ajudar os pequenos empreendedores locais a crescer. Diz que o aumento da violência atrapalha, pois afasta as empresas, mas vê oportunidades no local:
— As chances no Complexo começaram a se multiplicar com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), com o teleférico. Nunca desejei trabalhar fora daqui. Tenho vontade de abrir uma agência de publicidade, para ajudar os microempreendedores, dar meios para eles crescerem, com um marketing bacana. Quero entender o mercado local e trabalhar com isso. Trazer o conhecimento para dentro e multiplicar aqui.
O mercado de estágio e de trainees ainda não foi afetado pela crise, segundo Débora Nascimento, da Capacitare. Responsável por esses programas em empresas de petróleo que também estão sendo afetadas pela crise da Petrobras, como Shell, Ipiranga, Chevron e Technip, diz que não houve queda na demanda pelos programas. Pelo contrário, nesses momentos de crise, eles acabam contratando mais estagiários e trainees.
Formada em Administração, Luisa Cosenza, de 22 anos, passou numa seleção para trainee e foi morar em São Paulo, onde arca com todos os custos da casa nova. O fato de ter saído da faculdade já com um emprego reflete uma preocupação que sempre acompanhou Luisa. Ela escolheu Administração por ser uma carreira que, avalia, daria mais chances de conseguir uma vaga de trainee e cargos de melhor remuneração.
— Sempre quis uma vaga desse tipo, por ser uma oportunidade de ascensão mais rápida, já que você sobe para gerência sem passar pelo cargo de analista. Gosto de como as empresas investem nos trainees — explica Luisa que, ao fim do contrato, será promovida a gerente júnior.
Essa vontade de subir rapidamente na carreira é uma das características desta geração, segundo Marcelo Ferrari, diretor sênior de Desenvolvimento de Negócios da consultoria Mercer. Mas ele alerta que isso pode se tornar um ponto negativo se o candidato exigir muito, mas entregar pouco à empresa:
— Até quatro ou cinco anos atrás, os jovens que se formavam eram muito demandantes e pouco pacientes. Eles queriam ser promovidos rapidamente, mesmo se não fossem muito bons. Tinham um perfil até meio arrogante. Hoje, uma pessoa com esse perfil é descartada na primeira fase da seleção.
Eles também assumiram cargos de chefia muito jovens, o que os especialistas em recursos humanos chamam de “juniorização” das empresas. Há gerentes com menos de 25 anos:
— São muito jovens e vão precisar de apoio da alta direção da empresa para enfrentar esse momento adverso.
Carla diz que esses jovens estavam acostumados a ganhar até R$ 40 mil por mês em lojas de varejo de luxo. Com a crise, a demanda caiu juntamente com o salário baseado em comissões:
— Vender era fácil, agora não.
O economista Lauro Ramos, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estudioso de mercado de trabalho, diz que até já esqueceu de como era enfrentar uma crise dessas proporções. Até mesmo em 2003, quando o desemprego atingiu dois dígitos, as expectativas eram positivas.
— Tenho a impressão de que é o pior momento no pós-Real, com a combinação de inflação, recessão, problemas fiscais agudos e dificuldades políticas tão presentes que levam a esse pessimismo, uma prostração dos agentes econômicos ao olhar para frente. Uma população deprimida e de mau humor. É uma situação muito difícil para quem está entrando no mercado.
Para o economista, a inflação, apesar de alta, está no pico e deve cair no segundo semestre:
— Com o desemprego, não. O mercado de trabalho ainda vai piorar.
Na casa de Jéssica Correia, de 25 anos, a alta dos preços é sentida na hora de ir ao mercado:
— Às vezes, a gente atrasa a conta de luz para botar comida em casa. A luz em um mês veio R$ 160, neste, veio R$ 193. E tem a tal da bandeira vermelha que aumentou a conta em R$ 20.
A própria inflação será o combustível para aumentar a procura por trabalho, lembra Velho. Com a perda de poder aquisitivo das famílias, a tendência é que essa população jovem, de renda mais baixa, seja obrigada a entrar no mercado de trabalho para reforçar a renda da família:
— O desemprego não chegou ao fundo do poço — diz Velho.