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Brasileiros apostam no próprio negócio para fugir do desemprego
Após 20 anos de dedicação à carreira de gestora de negócios, construída em grandes instituições, a pernambucana Nelly Cardozzo se viu desempregada e com sérias dificuldades de recolocação em um mercado cada vez mais competitivo. Separou a verba da rescisão contratual em duas partes: uma para as despesas correntes e outra para garantir a educação dos três filhos.
Os meses de desemprego foram passando e o dinheiro encurtando, até que uma colega de faculdade convidou Nelly para abrir um café, plano que as duas haviam construído nas salas do curso de Administração de Empresas. “Naquele momento, minhas economias eram R$ 50, sem contar o dinheiro para a educação dos meus filhos, que era sagrado”, lembrou.
Nelly disse à amiga que não tinha recursos para investir no negócio. A proposta da colega foi contratá-la para administrar as finanças do café. Nelly foi buscar orientação profissional. Na agência do Sebrae, o que chamou a atenção não foi o plano de abrir mais um café no Recife, mas as pulseiras de macramê que enfeitavam seus braços.
“Eu disse para o consultor que não queria mais ser empregada, queria ter meu negócio. Ele me perguntou quanto eu tinha para investir? Eu respondi: R$ 50”, contou.
Segundo Nelly, o consultor perguntou onde ela havia comprado as pulseiras que usava. As bijuterias eram obras de Nelly, a pedido da filha Daniella Rafael. A sugestão do consultor foi que Nelly usasse os R$ 50 para produzir mais pulseiras. Em um mês ela voltou com cerca de 100 unidades em uma caixa que guarda até hoje como um amuleto. “Eu falei para ele que tinha feito 100 pulseiras, mas minha filha tinha vendido algumas na escola. Ele respondeu que esse era o caminho”, relatou a artesã.
Complemento de renda
O resultado do primeiro investimento na confecção de pulseiras foi um lucro de R$ 750, que permitiu a regularização e a ampliação do negócio, aprendido quando Nelly tinha 12 anos e acompanhava o trabalho da mãe, Aída Cardoso, para completar renda e garantir o sustento dos dez filhos. “Em 2012, me inscrevi no MEI [Microempreendedor Individual], comecei a participar de feiras no Recife, inclui colares e fui em busca de outros materiais”, contou.
Em tempos de crise econômica e alto número de desempregados – cerca de 12,7 milhões de trabalhadores – abrir o próprio negócio tem sido o caminho de muitos brasileiros. Segundo dados do Sebrae, 48 milhões pessoas entre 18 e 64 anos têm um negócio próprio ou estão envolvidos na criação de um. Desse total, 51,5% são mulheres. As micro e pequenas empresas são responsáveis por cerca de 54% dos empregos formais no país e por 44% da massa salarial, conforme levantamento do Sebrae.
O número de microempreenderores individuais (MEI) vem crescendo, desde o lançamento desta categoria em 2009. Em 2013, atingiu 3,6 milhões, superando o total tanto de micro como de pequenas empresas. No ano passado os MEIs chegaram a 7,7 milhões. A projeção é que em 2022 sejam 11,7 milhões, embora no início deste ano tenham sido cancelados 1 milhão de inscrições de MEIs inadimplentes.
Com o aumento da procura por produtos alternativos e sustentáveis, Nelly foi em busca de materiais recicláveis e naturais. Começou a reciclar garrafas PET e mesclar o material com couro, fios de algodão e seda, cortiça e tecidos variados. As coleções fazem sucesso não só no Brasil, mas já são vendidas para Estados Unidos, Irlanda, Portugal e Itália. “A gente passa por altos e baixos, mas temos que enfrentar os desafios”, disse Nelly.
A história da paranaense Roseni Jonker não é muito diferente. Nascida no interior do estado, foi para Curitiba em busca de estudo e emprego. Lá trabalhou como cozinheira e bancária. Com o marido Henrique Jonker, decidiu montar uma granja para produção de matrizes de galinha, cujos resultados não foram os esperados. Com a granja dando prejuízo e sem emprego formal, Roseni começou em 2014 a produzir, para amigos e festas, bolachas recheadas holandesas, chamadas stroopwafels.
MEI
A procura começou a aumentar, e os resultados positivos apareceram. Roseni se inscreveu no MEI, para regularizar sua situação. Em pouco mais de seis meses, a produção de bolachas ultrapassou as divisas de Ponta Grossa (PR), ganhou espaço em São Paulo, Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e em Santa Catarina. A renda superou o limite do MEI e assim nasceu a microempresa De Bakker, que hoje tem uma fábrica artesanal de bolachas e emprega oito pessoas.
“Eu só queria fazer bolachas, mas hoje não consigo mais”, afirmou.
Por dia são produzidos entre 300 e 400 pacotes de bolachas, de 200 gramas e 350 gramas. Roseni, que no início cuidava pessoalmente da confecção das bolachas, hoje divide a administração da empresa com o marido e participa de feiras agropecuárias para divulgar o produto, distribuído para lojas de conveniência e padarias.