Nacional

Inquérito das fake news faz movimento Brasil 200 perder força

Grupo de empresários simpáticos ao governo do presidente Jair Bolsonaro amarga desistências de nomes de peso

Por O Globo 09/06/2020 08h08
Inquérito das fake news faz movimento Brasil 200 perder força
Foto: Divulgação / Agência O Globo

 Criado há dois anos com a ambição de ser um “think tank” liberal, o Instituto Brasil 200, formado por empresários de direita, vive uma crise de representatividade e atuação. Os problemas começaram quando integrantes do grupo passaram a ter uma atuação política considerada mais radical e foram agravados pela investigação que apura financiamento a fake news — dois integrantes são alvo do inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). O grau de proximidade com o governo Jair Bolsonaro também dividiu o grupo. Nos próximos dias, o instituto anunciará parceria inédita com programas sociais da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, o que deve reforçar o coro dos descontentes com a politização da instituição.

Fundado em 2018 como plataforma para o projeto presidencial do empresário Flávio Rocha, da Riachuelo, o Brasil 200 tinha como objetivo elaborar políticas públicas de cunho liberal, com a cara da iniciativa privada. No Congresso, chegou a reunir uma frente parlamentar com mais de 200 deputados e senadores simpáticos à ideia e atuou forte pela reforma da Previdência. Mas, com a aproximação ideológica com o governo, começaram as dissidências.

Rocha foi o primeiro. Em maio, em artigo no jornal “Folha de S.Paulo”, ele anunciou desligamento do instituto e justificou dizendo não ter gostado de ver o Brasil 200 “envolvido no debate cotidiano da política”. Também saíram nomes como João Appolinário (Polishop), Sebastião Bomfim (Centauro) e Helcio Honda, diretor jurídico da Fiesp que chegou a ser o vice-presidente da entidade. Procurados, eles não quiseram falar.

O GLOBO ouviu na última semana uma série de empresários que foram ativos no instituto. Eles contaram que os incômodos começaram quando o grupo passou a atacar a China, maior parceiro comercial do país. Vários membros têm relações comerciais com o gigante asiático, mas o Brasil 200 endossou o tom crítico dos filhos do presidente à reação chinesa à epidemia. Também incomodou a defesa na flexibilização do acesso às armas, uma das bandeiras bolsonaristas. E há críticas de que a pauta do instituto era dominada às vezes por interesses de seus empresários mais influentes. Exemplo: nos debates da reforma tributária, a maior bandeira era a defesa do imposto único, obsessão de Flávio Rocha.

Gabriel Kanner, presidente do Brasil 200 e sobrinho de Rocha, minimiza os problemas. Ele nega ruptura com o tio e defende a pauta do instituto. Segundo ele, a defesa do armamento atende à essência conservadora do grupo e diz que é preciso debater o tema chinês:

— A China tem que ser responsabilizada pelo que aconteceu. É uma ditadura comunista e acabou agravando a pandemia mundial.

A investigação sobre o financiamento das fake news gerou novos constrangimentos. O episódio que liga o inquérito em tramitação no STF ao grupo é uma mensagem na qual o empresário Edgard Corona, da Smart Fit, diz aos outros membros que precisava de dinheiro para investir em marketing e impulsionar vídeos de ataques a Rodrigo Maia. A mensagem foi disparada em fevereiro, quando o debate da reforma tributária avançava em Brasília e integrantes do grupo divergiam da forma como o presidente da Câmara o conduzia. Outro membro do Brasil 200, o empresário Luciano Hang, dono da Havan, também é investigado por suspeita de patrocinar fake news.

— A mensagem dele (Corona) não diz nada e não me recordo se tivemos comentários depois. Acredito que não teve ação consequente — afirmou Kanner, que diz não ter conversado com Corona ou Hang após a atuação da Polícia Federal e espera os próximos passos para decidir o futuro dos dois.

Ex-integrantes do grupo ouvidos pelo GLOBO sob anonimato afirmam que nunca se debateu abertamente eventual apoio às fake news. Mas admitem que a radicalização do discurso político do grupo pode ter criado um ambiente “confortável” para investidas como a de Corona. Nos próximos dias, o Brasil 200 deverá promover um evento para comunicar a entrada da entidade no conselho do Pátria Voluntária, programa social da primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Frente ampla patina

O grupo de empresários liberais não é o único com divergências políticas. Dez dias após serem lançados, os movimentos que propõem uma frente ampla pela democracia — o “Estamos Juntos —, formado por artistas, políticos, empresários e intelectuais, e o “Basta!”, encampado por advogados — estão com dificuldade para unir representantes políticos em torno do projeto. No início deste mês, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que não se juntaria ao “Estamos Juntos”, apesar de Fernando Haddad, ex-candidato do PT à Presidência, ser um dos signatários. Lula justificou que não marchará ao lado de quem apoiou o impeachment de Dilma Rousseff. No campo conservador, o Movimento Brasil Livre (MBL) e a deputada Janaína Pascoal já se pronunciaram afirmando que as iniciativas são precipitadas. (Colaborou Silvia Amorim)

 

'Muitas pessoas tentam minar o poder do presidente'

Em entrevista exclusiva ao GLOBO, Gabriel Kanner, presidente do Instituto Brasil 200, afirma que nunca houve impulsionamento de informações falsas e ataques às autoridades da República e que o inquérito das fake news é "complexo". Kaner aposta na agenda de reformas para superar a crise econmômica provocada pelo novo coronavírus e defende a volta a normalidade tomando as medidas necessárias de precaução. Para ele, não há possibilidade fiscal para prorrogar o auxílio emergencial. Sobre o governo, ele afirma que o presidente Jair Bolsonaro segue focado nos valores que o elegeram e defende que o cenário político precisa ser "amenizado", uma vez que os poderes estão "esticando muito a corda".

Como o senhor viu o fato de o empresário Edgard Corona ter pedido recursos para financiar mensagens contra Rodrigo Maia em um grupo de Whatsapp do Brasil 200, fato que passou a ser investigado pelo STF no inquérito sobre as fake news?

Este grupo de Whatsapp nem existe mais, era um grupo com cerca de 30 empresários e o Corona mandou a mensagem em um contexto em que estávamos discutindo a reforma tributária. Nunca houve nenhum tipo de impulsionamento com ataques a qualquer pessoa ou instituição, nunca impulsionamos nenhuma informação falsa. Tudo é muito complexo, a forma como este inquérito está sendo conduzido. A gente está tranquilo com o que aconteceu, nunca tivemos uma atuação neste sentido, de investir dinheiro para denegrir a imagem de ninguém.

Como foi a reação dos outros empresários ao pedido do Corona?

Não me lembro, sinceramente, no grupo, não sei se teve algum comentário depois… Mas a mensagem dele não diz nada, é a intenção futura para falar de marketing em uma discussão sobre a reforma tributária, então não me recordo se tivemos alguns comentários depois. Mas isso não prosperou. Acredito que não teve nenhuma ação consequente destas mensagens. 

Corona (Smart Fit) e Luciano Hang (Havan), investigados pelo Supremo como financiadores de fake news, continuam no Brasil 200?

Eu não conversei com eles depois disso. Enfim, a gente está aguardando as investigações, acho que agora eles deveriam prestar depoimento, não sei em que estágio está isso. Mas a gente emitiu uma nota falando exatamente o que eu falei aqui, que a gente apoia as instituições democráticas, nunca fizemos nada para desestabilizar as instituições, como algumas matérias sugeriram, nunca impulsionamos notícias  falsas e estamos à disposição para quaisquer esclarecimentos. 

Mas eles devem continuar no Brasil 200 ou não?

O Corona na verdade nunca fez parte do conselho do Brasil 200. Ele é próximo, enfim, convivia com a gente, mas nunca fez parte do conselho. O Luciano sim, o Luciano... Por enquanto nada mudou na situação dele.

Como você está avaliando o governo?

Obviamente a gente está passando por um período muito difícil, o governo estava fazendo tudo o que havia prometido na campanha, implementando uma agenda liberal, de reformas. A reforma da previdência e trabalhista já haviam sido aprovadas e a reforma tributária estava em discussão. Obviamente a crise é muito grave, o governo atuou fazendo o que pode, criando o auxílio emergencial, um pacote para ajudar durante esta crise e agora vai ter que retomar rapidamente a agenda de reformas. Acredito que o caminho pra gente sair da crise vai ser colocar em  pauta novamente a reforma administrativa e a reforma tributária. De forma geral vejo um governo focado nos valores que o elegeram, a gente viu isso de forma muito clara no vídeo da reunião ministerial que foi divulgado, vimos o presidente Bolsonaro defendendo ferrenhamente exatamente os mesmos valores que ele defendia desde a campanha e isso acabou fortalecendo muito a base eleitoral dele, pois ele se mostrou exatamente a mesma pessoa em uma reunião às portas fechadas. E são estes valores que a gente defende. Economia de mercado e valores conservadores.

E a economia?

 

Paulo Guedes precisa ter autonomia para trabalhar, isso está acontecendo, pelo que a gente vê, Bolsonaro está realmente dando espaço para ele. É óbvio que a pandemia não é fácil para nenhum governo, e a gente vai precisar de muita união neste momento e a retomada da agenda liberal.  É óbvio que o estado é importante neste momento para intervir, para oferecer um auxílio para os mais vulneráveis, dar apoio aos empresários, mas a gente precisa que a agenda  económica liberal seja colocada como prioritária para a gente conseguir sair desta crise. Até foi ventilado este plano Pró-Brasil (de investimentos estatais) da Casa Civil, que é um plano desenvolvimentista, de investimento em infraestrutura, mas acredito que isso até possa ser feito de forma pontual, mas o estado não pode ser o grande  propulsor da retomada econômica, isso precisa ser feito através da iniciativa privada, das pessoas e dos empreendedores e  para isso precisamos melhorar o ambiente de negócios do Brasil, com as reformas e medidas de liberdade econômica. A gente tem um caminho muito desafiador, mas que a gente vai conseguir colocar o Brasil de volta no caminho do crescimento econômico.

O auxílio emergencial da crise deve ser prorrogado?

A gente não tem espaço fiscal para que o auxílio seja prorrogado. A gente precisa ter responsabilidade fiscal. Neste momento a gente precisa que a economia volte a funcionar. Não tem mais como sustentar esta situação por muito tempo, acho que a gente já passou do limite, foi um momento muito importante para o sistema de saúde se preparar para receber os impactados pelo novo coronavírus. O Brasil tem que voltar a funcionar, não temos como sustentar essa situação, não acredito que tenhamos como prorrogar este auxílio emergencial pois estaríamos  comprometendo as próximas gerações do Brasil. O governo fez tudo o que foi possível para dar apoio à população brasileira neste momento. 

É possível retornar as atividades no momento de recorde de casos e de mortes?

As atividades tem que ser  retomadas com todas as precauções possíveis. Muitas empresas estão funcionando em home office, as pessoas  já adquiriram a cultura de utilizar as máscaras, o que é fundamental. Se um contaminado conversar com outra pessoa de máscara, o risco de contaminação é de menos de 2%.  O objetivo do isolamento social e do lockdown, de todo mundo ficar em casa, é para simplesmente ganhar tempo para que  o sistema de saúde se prepare para receber os infectados. Muita gente acha que é para diminuir o contágio total, mas na realidade o vírus está aqui, ele não vai desaparecer, nós vamos conviver com o vírus e grande parte da população será infectada com o novo coronavírus. Então a gente teve três meses para se preparar e é impossível de viver um lockdown sem previsão de reabertura. Se não retomarmos agora as consequências vão ser muito piores. O Sebrae lançou um levantamento mostrando que mais de 600 mil empresas já quebraram e 9 milhões de pessoas ficaram desempregadas. Este número pode ser muito maior hoje, podemos ter passado a marca de 20 milhões de desempregados hoje. Isso é muito sério, é óbvio que a pandemia é algo sério e que precisa ser combatida, mas nós tivemos tempo para nos preparar para isso. Do contrário teremos um colapso social total do país. 

Na saída do Moro você foi muito crítico ao governo...

Fui crítico no dia da saída do Moro, foi um baque muito  grande para toda a direita do Brasil. O Moro representava um pilar fundamental do que  foi a construção desta direita que acabou resultando na eleição do Bolsonaro. Obviamente o baque foi muito grande no dia que ele saiu e eu fiz críticas neste dia. Depois que as coisas  foram se depurando, a gente viu que o Moro agiu politicamente, e pela credibilidade que ele tinha, e da forma  como ele saiu, todo mundo esperava que ele viria com um tiro de bazuca, e ele veio com um tiro de estilingue depois do depoimento dele. E após  a divulgação do vídeo da reunião ministerial ficou muito claro que não havia nada ali. Os argumentos do Moro ficaram muito fragilizados. Acabou sendo uma decepção de verdade, o Moro tem um histórico inquestionável à frente da Lava Jato, no combate à corrupção, fez um grande bem do Brasil, mas esta saída dele acabou tirando grande parte da credibilidade dele pela forma como foi, sair atacando o governo daquela forma sem ter provas contundentes. Acabou ficando muito ruim para ele e o presidente saiu fortalecido deste episódio. 

Como vê agora a política do governo hoje?

O cenário político precisa ser amenizado, todos os poderes estão esticando muito a corda, a gente viu o Congresso atuando desta forma, quando  veio o plano Mansuetto, de socorro aos estados, e acabou sendo transformado em uma bomba fiscal para o governo, tivemos estes casos de desvio de dinheiro e compras  superfaturadas na pandemia, disputa de governadores e prefeitos com o presidente, e  essa disputa com o Supremo Tribunal federal,  todos os poderes estão esticando muito a corda e o presidente acabou se sentindo  acuado neste tiroteio. Acho que todo mundo tem que amenizar um pouco a situação, o presidente sinalizou agora uma tentativa  de aproximação do ministro Alexandre de Moraes, para acalmar um pouco as coisas, e acredito que isso precisa ser feito  com os outros poderes também. A gente vê muitas pessoas tentando minar o poder do presidente de governar e isso acaba criando  todo tipo de tensão, que é muito ruim para o país ainda mais em um momento  como este. Acredito que os ânimos estão muito acirrados nesta disputa política e a gente deveria se  acalmar. Como disse o Paulo Guedes: estamos todos no mesmo barco, precisamos chegar no porto, depois a gente pode brigar, sai na porrada, faz o que quiser, mas por enquanto, neste momento, a gente precisa do mínimo de união e de respeito para atravessar esta crise.

Qual nota você dá ao governo de zero a dez?

Daria uma nota… sete.