Nacional
São Paulo terá teste clínico de terapia celular para casos graves de Covid-19
Pesquisadores planejam recrutar 90 pacientes graves em UTIs de hospitais paulistas
O Brasil deve começar dentro de algumas semanas seu segundo teste clínico de terapia celular para aliviar a inflamação e as lesões pulmonares causadas pela Covid-19. Após o início de um teste de fase inicial no Paraná, um grupo de São Paulo planeja recrutar 90 pacientes em estado grave para uso das células-tronco mesenquimais (MSC).
Terapias desse tipo já passaram pela fase 2, que avalia segurança e faz investigação preliminar de eficácia, em testes na Espanha e nos EUA. As iniciativas brasileiras estão em etapas mais iniciais.
O ensaio clínico a ser realizado em São Paulo usará células produzidas pela empresa Cellavita, sediada na Alemanha, e está em fase avançada de avaliação pela Anvisa. Pacientes serão recrutados por médicos do Instituto do Coração (USP), Unifesp, Hospital de Barueri (SP) e Hospital Vera Cruz, de Campinas.
— A ideia da terapia é reparar tecidos e diminuir a inflamação quando a infecção já está muito avançada, principalmente no pulmão — explica Ricardo Diaz, que coordenará o braço do teste clínico na Unifesp. — Os pacientes passarão ao mesmo tempo por outras intervenções, para controlar problemas como trombose e para combater a infecção em si.
A Cellavita já vinha fornecendo células-tronco mesenquimais a um teste clínico planejado anteriormente para tratar a doença de Huntington.
As células-tronco mesenquimais são obtidas tipicamente de amostras de cordão umbilical ou placenta e têm propriedades similares às de tecidos embrionários, que têm células "genéricas" que são capazes de se transformar em diversos tipos de tecido. Daí saiu a ideia para tentar usá-las na tentativa de restaurar lesão pulmonar causada pela Covid-19.
"O coronavírus pode ser fatal, em parte, porque causa 'tempestades de citocinas', resultantes do desequilíbrio entre proteínas desse tipo que promovem ou inibem inflamação", afirmam os pesquisadores no documento de registro do teste clínico. "Células-tronco mesenquimais foram amplamente usadas em terapia celular, desde pesquisa básica a testes clínicos. Segurança e eficácia já foram documentadas em muitos testes, especialmente para doenças inflamatórias mediadas pelo sistema imune."
Um dos usos bem estabelecidos da terapia é para prevenir a rejeição a órgãos transplantados. Só com a Covid-19, porém, ela veio a ser empregada no contexo de doença infecciosa.
Antecipação
No Brasil, o teste das células da Cellavita será coordenado pela Azidus, uma organização representativa para pesquisa clínica. Procurada pelo GLOBO, a empresa não quis comentar o projeto antes de seu início.
Segundo Diaz, da Unifesp, a importância de se procurar intervenções médicas diferentes para a Covid-19 é porque o curso da doença às vezes surpreende os médicos.
— Muitas pessoas morrem a despeito dos recursos que a gente possui para mantê-las vivas, o que é uma coisa muito estranha — diz o médico infectologista, que conclui: — A gente consegue ventilar as pessoas e mesmo assim elas podem morrer. Além da infecção pulmonar, tem mais coisas acontencendo, como a sepse, a infecção generalizada, e a inflamação. E é preciso lidar com elas também.
Vários países possuem terapias de células-tronco mesenquimais em teste agora, indício de que é uma aposta em alta na comunidade médica.
Um levantamento publicado pelo Instituto Indiano de Ciência, Tecnologia e Engenharia identificou 90 ensaios clínicos de células MSC contra a Covid-19 em bases de registro dos EUA e da China, que agregam iniciativas de todo o mundo.