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Ele venceu praga, salvou cultivo de algodão no sertão e exporta para Europa
Neste mesmo ano, ele estreou no ramo da exportação, vendendo a produção para uma empresa francesa
Em 2004, o agricultor João Félix, 58 anos, morador da comunidade Riacho do Meio, município de Choró, no Ceará, plantou pela primeira vez algodão agroecológico, cultivado sem agrotóxico. A colheita foi boa, deu 360 kg e gerou um lucro de R$ 8.640. Neste mesmo ano, ele estreou no ramo da exportação, vendendo a produção para uma empresa francesa.
Quem vê hoje o sucesso do agricultor, não imagina que trinta anos antes deste feito, em 1974, ele, que vivia em Quixeramobim, olhava incrédulo e desolado para os seus 4,5 hectares de cultivo de algodão destroçados pelo solo doente e pelo bicudo-do-algodoeiro —principal praga do algodão nas Américas.
Naquela época, ele vendia o algodão raquítico para atravessadores e nem nos melhores sonhos lucraria qualquer cifra perto do que lucrou em 2004.
Os novos conhecimentos que permitiram que o agricultor driblasse o bicudo e garantisse a sustentabilidade da produção vieram da sua participação na Proposta do Consórcio do Algodão Agroecológico. A iniciativa da ONG cearense Esplar estava em curso desde 1991, com o nome de Projeto Consórcio Agroecológico com Algodoeiro Mocó.
Imagem: Arquivo pessoal
Mocó é uma variedade de algodão em formato de árvore muito comum no Ceará e que, inclusive, se desenvolve melhor em períodos de estiagem prolongada. Na época, o projeto estimulou o cultivo somente desta espécie. Com o passar dos anos, também introduziu o plantio do algodão herbáceo, que é uma variedade rasteira.
Por meio de cursos, seminários, intercâmbios e capacitações, 'seu' João e outros agricultores conheceram as práticas sustentáveis que, além de tornar a cultura do algodão viável, a tornou sustentável ambientalmente. O projeto conta com recursos de fundos e agências de cooperação internacional e de órgãos públicos governamentais.
'Se não pode vencê-los...'
Depois de amargar o prejuízo, o agricultor chegou a desistir do algodão - que dado ao seu valor no mercado, era chamado de 'ouro branco do Sertão' - e passou a cultivar apenas milho e feijão, as conhecidas colheitas de sequeiro, que são culturas adaptadas a regiões com pouca pluviosidade. "Mas era o algodão que pagava as contas", diz.
Para conseguir a proeza de, além de retomar a produção, exportá-la para a Europa, 'seu' João conta que fez valer o ditado: "Se você não pode com o inimigo, aprenda a viver com ele".
O bicudo é um besouro que usa o botão floral do algodão para se reproduzir e faz isso com rapidez, impedindo que a pluma, que é o fruto, se desenvolva. Ele descobriu que a fêmea do bicudo deposita os seus ovos no botão floral, que possui uma vitamina essencial para a sua reprodução.
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''A gente passou a catar o botão, ou seja, retirar a parte da espécie que o bicudo usa para se reproduzir'', afirmou João Félix, agricultor.
Imagem: Arquivo pessoal
Nesta técnica, o botão floral é retirado, queimado e as cinzas enterradas sem deixar qualquer possibilidade de reprodução do inseto. Uma única fêmea pode gerar até 100 novos besouros.
Mas essa não foi a única estratégia adotada. O agricultor também teve que esquecer todas as práticas de manejo que havia aprendido desde criança e passou a adotar práticas sustentáveis, ou seja, agroecológicas.
Antes, João Félix conta que desmatava e queimava os restos de caules para preparar o solo e iniciar o plantio. Ele abandonava a área onde havia plantado e migrava para outra. Mas foram justamente práticas como essa que empobreceram o solo, inviabilizando a produção do algodão.
Mudança radical
A mudança, nesse aspecto, foi radical. "Em vez de usar veneno [agrotóxico] eu passei a usar defensivos naturais como calda nutritiva, rapadura [doce feito do caldo de cana de açúcar], leite de vaca, folha de nim [espécie de planta muito comum no Semiárido], pimenta, urina de vaca. Essas coisas protegem e nutrem o solo", conta ele.
Após a colheita, em vez de queimar os restos dos caules, o agricultor passou a soltar suas ovelhas no terreno para que elas se alimentassem deles. Ele também observou que cada tipo de cultura traz um impacto diferente ao solo. Por exemplo, o feijão, que é uma leguminosa, produz nitrogênio mineralizado, o que é bom para o solo, enquanto o algodão suga essa substância. Para garantir a saúde do terreno, o agricultor adota a estratégia de planta amiga, ou rotatividade de culturas.
Em uma colheita, ele planta em faixas o feijão, algodão, gergelim e amendoim. No ano seguinte, na faixa onde ele cultivou o algodão, passa a cultivar feijão. Assim, o nitrogênio que o algodão extraiu do solo no ano anterior, o feijão devolve na próxima colheita. Essa rotatividade de culturas, combinada às demais práticas sustentáveis, garante a saúde do solo.
O agricultor João Felix combina a cultura do algodão com outras culturas
Imagem: Arquivo pessoal
Certificação de orgânico
É assim que, há 19 anos, 'seu' João cultiva a mesma área. Cerca de 60% dos alimentos servem ao consumo da família e os 40% restantes são comercializados na própria comunidade ou em feiras livres. A sua área obteve certificação de produção orgânica, critério essencial para que o seu produto pudesse chegar ao mercado europeu.
O agricultor orgulha-se de ver que resgatou uma cultura tão importante para a sua região sem agredir o meio ambiente.
''Quando eu vejo os desastres ambientais, sei que tem a mão do homem no meio. Eu fico orgulhoso de ter toda a minha produção certificada como orgânica. Eu estou produzindo, mas não estou contribuindo para aumentar os efeitos das mudanças climáticas'', disse João Félix, agricultor.
João Felix diz que é comum o povo que conhece a sua história ou visita a sua área dizer que parece um milagre o resgate da cultura do algodão. "O milagre é da natureza, o que a gente fez foi aprender a conviver com ela".