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Presídios estão sujeitos a surtos locais de coronavírus após veto ao uso obrigatório de máscaras em suas instalações

Especialistas dizem que deslocamento de agentes penitenciários e superlotação de detentos podem aumentar casos de Covid-19

Por O Globo 07/07/2020 07h07
Presídios estão sujeitos a surtos locais de coronavírus após veto ao uso obrigatório de máscaras em suas instalações

O veto ao uso obrigatório de máscaras em presídios, medida publicada esta segunda-feira no Diário Oficial, poderá dar margem a surtos de casos e óbitos por Covid-19. Mas a doença, segundo especialistas, não se alastraria apenas dentro das instalações penitenciárias, já que servidores podem levar o vírus do trabalho para outros locais, e mesmo o tráfego de detentos entre unidades carcerárias seria uma manobra arriscada, do ponto de vista da saúde pública.

O Departamento Penitenciário Nacional registrou, até ontem, 5.022 infecções e 63 óbitos por Covid-19 nos presídios do país. Foram aplicados 17.095 testes para detecção do coronavírus, uma quantidade que contempla apenas 2,2% da população brasileira privada de liberdade.

 

Um estudo divulgado no mês passado pela Fundação Getulio Vargas mostrou que apenas um terço dos cerca de 110 mil agentes penitenciários do país recebeu equipamentos de proteção individual, como luvas e máscaras. Pesquisadora do Instituto Igarapé, Dandara Tinoco destaca que estes servidores são potenciais vetores da transmissão do coronavírus, devido ao deslocamento que fazem, por exemplo, entre o presídio, o transporte público e suas casas.

— O presídio não é um universo paralelo. A saúde dos detentos têm impacto fora destas unidades, e a falta de máscaras agravará problemas já conhecidos que contribuem para a propagação do coronavírus, como a superlotação das celas e as condições de insalubridade — explica. — Uma nota técnica da Fiocruz mostrou que, entre a população livre, um infectado que não está preso contamina de duas a três pessoas. Na prisão, um indivíduo pode contaminar até cinco.

Rômulo Neris, virologista pela UFRJ e pesquisador visitante da Universidade da Califórnia, avalia que o veto ao uso obrigatório de máscaras em penitenciárias é uma “medida arriscada”, já que os detentos têm dificuldade de acesso ao sistema de saúde básica.

— Há uma possibilidade considerável de surtos localizados e uma onda de óbitos por Covid-19 nos presídios — alerta. — A falta de máscaras deixará todos mais expostos ao vírus. Evitar sua propagação exigirá medidas como mudar esquemas para visitações e separar alas para pessoas infectadas.

Na sexta-feira, o presidente Jair Bolsonaro também promulgou uma lei com vetos à obrigação do uso de máscara em estabelecimentos comerciais, templos religiosos e instituições de ensino. A imposição de multas para quem descumprir as regras e a obrigação do governo de distribuir máscaras para os mais pobres foram revogadas. Esses vetos, no entanto, não anulam legislações locais que já estabelecem a obrigatoriedade do uso da máscara.

Retenção do vírus

De acordo com Neris, as máscaras simples, que tem de uma a duas camadas de tecido, poderiam reter até 50% de partículas virais presentes em gotículas de saliva, espirro e tosse. Este percentual foi calculado com base em outros patógenos, porque os relacionados ao Sars CoV-2 ainda estão em andamento:

— A máscara não está associada somente à proteção de seu usuário, mas também a de quem está ao seu redor, principalmente quando não é possível fazer um rastreamento sobre as pessoas que estão infectadas. Ela não deve ser manipulada frontalmente e, após seu uso, deve ser lavada com sabão ou álcool, caso não seja do tipo descartável.