Polícia

Igreja Católica no Nordeste é condenada a pagar indenização de R$ 12 milhões por exploração sexual

Vítimas eram menores de idade; padres e até o arcebispo emérito do estado estão envolvidos no escândalo.

Por G1 Alagoas 20/01/2019 23h11
Igreja Católica no Nordeste é condenada a pagar indenização de R$ 12 milhões por exploração sexual

A Justiça do Trabalho condenou a Arquidiocese da Paraíba a pagar uma indenização de R$ 12 milhões por casos de exploração sexual contra menores de idade. O crime foi praticado por padres e até o arcebispo emérito do estado estão envolvidos no escândalo.

O Fantástico ouviu um rapaz que foi assistente de missa e seminarista. Ele preferiu não ser identificado.

Repórter: Que idade você tinha?
Ex-seminarista: Eu tinha 17 anos e meio ano.
Repórter: O que você encontrou no seminário era como você esperava?
Ex-seminarista: Não, né? A gente espera uma coisa e de repente se depara com outra, né? Às vezes de assédio relacionado a assédios sexuais por parte dos padres, por parte de muito dos seminaristas.
Repórter: De que tipo?
Ex-seminarista: Através de palavras, de atos, pegava nas minhas partes sexuais, né?

Foi na Justiça Trabalhista que o processo avançou. “O ato é gravíssimo. São adolescentes que acreditaram naquela instituição a representação de Deus”, afirmou o procurador do Trabalho, Eduardo Varandas.

Tudo começou em 2014, a partir de uma carta. A autora ouviu comentários de que algo errado estava acontecendo na Igreja Católica da Paraíba e, a partir daí, fez uma denúncia por carta, para ficar dentro da Igreja. Porém, isso acabou resultando na situação atual. Uma denúncia que era só para a Igreja, que tomou uma dimensão imensa.

Repórter: Por que a senhora decidiu escrever a carta?
Testemunha: Porque eu fiquei incomodada diante de tantas coisas aí eu me incomodei muito por ser católica. Não aguentei mais diante de tanta coisa e eu terminei tendo essa vontade de fazer tudo isso.
Repórter: A senhora era amiga de jovens homossexuais frequentadores da igreja?
Testemunha: Isso. A gente ia pra aniversário, a gente saía, ia na praia à noite. Nessas saídas nossa aí começou a surgir conversas que não tava me agradando.
Repórter: Tipo o quê?
Testemunha: Apelidos muito feios com padres da nossa igreja. Monja Vanessa. Louca da Diocese. Ligava pra pessoa e falava "oi, louca da Diocese"?
Repórter: Na verdade a senhora descobriu depois que quem tava do outro lado da linha eram padres?
Testemunha: Eram padres.


A mulher contou tudo para um padre de confiança. Ela explicou que ele redigiu a carta e disse que o documento ficaria dentro da Igreja. Mas o texto vazou e virou notícia. A partir daí, o Ministério Público do Trabalho começou a investigar.

“Na verdade, o que foi apurado, o que foi denunciado na imprensa, apurado pelo Ministério Público do Trabalho, foi de que havia inserido dentro da sistemática católica um grupo de sacerdotes de forma habitual que pagavam por sexo a flanelinhas, a coroinhas e também a seminaristas”, explicou o procurador Varandas.

O crime foi definido como exploração sexual. No entanto, ele ressaltou que, como o processo está em segredo de justiça, ele está impedido de revelar alguns elementos concretos e o que ocorreu na instrução do processo.

Segundo Varadas, a característica da exploração sexual é a ausência da vontade livre para praticar o ato. Nesse caso, o pagamento às vítimas podia ser feito em dinheiro ou até em comida.

“Algo que tenha submissão ou algo que faça com que um estado de necessidade leve a criança ou adolescente a praticar esses atos. Que estado de necessidade é esse? É a miséria, é a fome, é a proteção do estado, é a ausência de políticas públicas. No caso de menores de 18 anos, independente da vontade deles, tanto o Estatuto da Criança do Adolescente, como o Código Penal consideram a exploração sexual exatamente porque eles não têm a vontade validada pelo direito pra praticar um ato dessa natureza”, explicou o procurador.

O ex-seminarista conta que cedeu às investidas pela vontade de se tornar padre.

“Porque até então a palavra de ordem seria ‘passando por esse processo você vai conseguir chegar a ser padre’. Meio que uma troca de, não sei se a palavra certa é troca de favores. Às vezes uma conversa, um abraço no pé do ouvido, né? ‘Ele você tá muito cheiroso, vc tá muito lindo, muito gostoso, né? Você deve malhar muito, não sei como você faz isso, mas você tem um peitoral muito gostoso, né?’”, disse.


A vítima afirmou que havia relações sexuais e que se envolveu com três padres. Os nomes dos três sacerdotes aparecem em vários depoimentos: Jaelson Alves de Andrade, Ednaldo Araújo dos Santos e Severino Melo. Os padres estariam afastados de suas funções.

Nem o ex-seminarista, nem a autora da carta, que deu origem às investigações, quiseram se identificar. E eles têm suas razões.

“Eles diziam que ou eu calava com isso ou a minha vida tava por um fio”, afirmou a mulher.
“Eles diziam que eu tivesse cuidado por onde andava, porque eu não sabia quem tava atrás de mim, nem na minha frente, nem ao meu lado”, contou a vítima.
Por pressão psicológica, duas testemunhas importantes que tinham marcado entrevista com o Fantástico desistiram de falar. Mas, à Justiça, elas falaram.

Um deles é um empresário, dono de um restaurante, até hoje muito católico. Ele frequentava a igreja do padre Jaelson e depôs contra aquilo que ele achava que era um desvirtuamento da Igreja Católica.

“Antes dele, a gente tinha meninas e meninos como coroinhas, mas depois que ele assumiu passou a só admitir coroinhas homens. Um dia dois deles me procuraram. O primeiro falou comigo chorando, contou que tinha decidido sair da igreja porque um dia tava na casa paroquial e o padre Jaelson pediu que o menino passasse óleo nele durante o banho. O garoto tinha entre 14 e 15 anos. O outro coroinha que veio falar comigo disse que teve um relacionamento com o padre dos 14 até os 21 anos”, disse em depoimento.

Outra testemunha é um funcionário da Catedral, que trabalhou lá por mais de 30 anos e conhecia como ninguém os bastidores do que acontecia lá dentro.

“Passaram três bispos e cinco padres no tempo que eu estive lá. Um desses padres, padre Jaelson, levava coroinhas e outros meninos, todos menores de idade, para dormir com ele nos quartos que ficam atrás da igreja. Os meninos iam embora de manhã cedo. Ele pagava lanches para os meninos e também dava roupas para eles como um agrado. Eu já cheguei a pegar padre Jaelson tendo relação sexual com menor de idade dentro da igreja. Também trabalhei com o padre Ednaldo. Ele costumava sair com os meninos que olhavam os carros na porta da Catedral. Costumava ir com eles no Bar da Pólvora. Eram todos menores de idade e o padre dava dinheiro pra eles”, afirmou em depoimento.


Foi decisivo o depoimento de um desses jovens, que quando era menor de idade trabalhava como flanelinha no entorno da Catedral, e disse que, na época, teve relações com o padre Ednaldo. Ele contou tudo, mas não pôde ver a conclusão do processo porque foi assassinado em dezembro de 2016. A polícia chegou a investigar a possibilidade de queima de arquivo, mas nada ficou comprovado.

O ex-funcionário citou também um quarto padre: Rui da Silva Braga. O padre Rui também levava meninos para a casa dele.

Uma particularidade do caso é que não só padres foram acusados de crimes sexuais. Segundo o Ministério Público, havia o envolvimento direto do então arcebispo, dom Aldo Pagotto. Ele é suspeito de acobertar os crimes dos sacerdotes e também de ter tido relações sexuais com jovens da cidade.

“Numa determinada conversa, ele chegou a realmente a passar a mão no meu peito e dizer ‘por que não aproveitamos que estamos aqui nós dois e vamos realizar aquilo que é melhor pra nós dois?’”, afirmou o ex-seminarista.

À Justiça, a vítima disse que tinha sido só assediado pelo então arcebispo. Mas, ao Fantástico, ele foi além:

“A gente chegou a ter relações sexuais, sim”, denunciou.
Sem saber do envolvimento do arcebispo, o empresário chegou a pedir que ele tomasse providências sobre o problema.

“Ele chegou a chorar e disse que ia tentar resolver a situação. disse que ia procurar que padre Jaelson fizesse um tratamento para parar com essas coisas. Isso foi em 2009 e nada foi feito. Quero deixar bem claro que sou católico, continuo frequentando a igreja e não tenho a intenção de prejudicar nenhum padre. Só quero que a verdade venha à tona pela dignidade da igreja”, disse o empresário à Justiça.

Em 2002, quando era bispo de Sobral, no Ceará, dom Aldo foi denunciado por supostamente tentar acobertar casos de abuso sexual de um padre contra 21 meninas. Mas o Tribunal de Justiça cearense arquivou o caso. Em 2004, ele se tornou arcebispo da Paraíba. Ficou na posição até 2016, quando renunciou ao cargo, em meio às denúncias de escândalos sexuais envolvendo padres.