Polícia
Ministério divulga nota lamentando mortes na comunidade do Jacarezinho
Massacre ocorre mesmo com resolução do STF que suspende ações na pandemia
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) divulgou, nesta sexta-feira (07), nota lamentando as mortes ocorridas em operação policial na comunidade do Jacarezinho, na zona norte da capital fluminense, no Rio de Janeiro, ontem (06). A operação terminou com 25 mortos, entre eles um policial civil, e foi a mais letal na história do estado.
“É urgente a necessidade de combate ao crime organizado, ao tráfico de drogas e às demais atividades marginais que ocorrem na cidade. Entendemos, também, que essas devem ocorrer de forma a proteger a vida de todos, especialmente dos moradores que, também, são vítimas e reféns de atividades criminosas”, diz a nota.
O Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos, com sede em Genebra, na Suíça, pediu nesta sexta ao Ministério Público que realize uma investigação independente, completa e imparcial, de acordo com as normas internacionais da operação na comunidade.
Garantia e proteção de testemunhas
“Isto implica que as autoridades devem garantir a segurança e a proteção das testemunhas e protegê-las contra intimidações e retaliações”, disse Rupert Colvill, porta-voz do Escritório da Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet.
A Polícia Civil negou que tenha havido casos de execuções entre os 24 suspeitos mortos no Complexo do Jacarezinho. Segundo delegados que participaram diretamente da operação, os suspeitos morreram em decorrência do confronto com os policiais.
Ainda de acordo com a Polícia Civil, o objetivo era combater grupos armados de traficantes de drogas que estariam aliciando crianças para o crime. Além disso, segundo as investigações, eles estavam envolvidos em outros crimes, incluindo sequestros de trens que passam pela comunidade.
Comissão Arns
Em nota, a Comissão Arns vem a público manifestar seu mais veemente repúdio pela operação deflagrada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro na madrugada dessa quinta (06), na comunidade do Jacarezinho, zona norte da cidade. Trata-se da investida policial de maior letalidade no Estado desde 1989, com pelo menos 25 mortos já confirmados e tiroteios que prosseguiram, sem trégua, ao longo do dia.
Ainda de acordo com a comissão, é inaceitável que esta chacina aconteça em meio à pandemia que castiga o país há mais de um ano, com cerca de 415 mil mortos. O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer o risco aumentado de violência no período, acolheu a ADPF 635, proposta pelo Partido Socialista Brasileiro com o apoio de organizações da sociedade civil. Assim, ficam suspensas operações policiais nos morros e favelas do Rio, pelo tempo em que a pandemia perdurar, salvo em casos de alta excepcionalidade, mediante informação prévia e com o acompanhamento do Ministério Público Estadual.
O que se está vendo no Rio - uma ação desastrosa contra centenas de pessoas, autorizada pelo atual governador, Claudio Castro, sob o pretexto difuso de investigar o aliciamento de crianças e jovens pelo tráfico de drogas, diz trecho da nota.
Entenda o caso
Uma operação da Polícia Civil realizada nessa quinta-feira (06) na favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, já se tornou a segunda maior chacina da história do Estado. Um total de 25 pessoas morreram, entre elas o policial civil André Farias, baleado na cabeça. Os demais são considerados suspeitos pela Polícia. O Instituto Fogo Cruzado contabilizou um total de 29 pessoas baleadas ao longo de sete horas de operação — entre eles, três policiais civis e duas vítimas de bala perdida.
De acordo com o relato de quem acompanhou a operação no local, os agentes invadiram a casa de moradores para realizar revistas — que só podem ocorrer com mandado judicial— e colocaram os corpos das pessoas mortas em veículos blindados da corporação.
Em entrevista coletiva por volta de 17h de ontem, a Polícia Civil confirmou o número de mortes e afirmou que seis pessoas foram presas, sendo que três delas tinham mandado de prisão expedido. Além disso, a Operação Exceptis também apreendeu 16 pistolas, seis fuzis, uma submetralhadora, 12 granadas e uma escopeta calibre 12. A favela do Jacarezinho é considerada uma importante base do Comando Vermelho, a principal e mais poderosa facção do Rio de Janeiro, e os agentes investigavam o aliciamento de crianças e adolescentes para ações criminosas. “As investigações continuam, outras operações virão, e a gente busca não permitir que essas crianças sejam aliciadas pelo tráfico”, afirmou o delegado Rodrigo Oliveira. As autoridades negaram os abusos relatados por moradores e afirmaram que os policiais agiram em legítima defesa. “A única execução que houve foi a do policial, infelizmente. As outras mortes que aconteceram foram de traficantes que atentaram contra a vida de policiais e foram neutralizados”.
A operação dessa quinta começou por volta de 06h45, com helicópteros dando rasantes e policiais avançando pelos trilhos do trem e do metrô, que cortam a favela na superfície. “Eram muitos policiais entrando por todas as áreas do Jacarezinho. Muitos estão encapuzados. A gente recebeu a notícia que um deles foi baleado, e aí os tiros passaram a ser bem mais intensos”, afirmou o mesmo morador, que acredita que os agentes passaram a agir com revanchismo —como já aconteceu em outras ocasiões no Rio.
O tiroteio intenso também afetou a circulação do metrô e feriu dois passageiros dentro de um vagão. Uma Clínica da Família e outros dois postos de vacinação contra a covid-19 precisaram ser fechados. Os moradores tiveram que se trancar em casa para se proteger dos tiros, deixando as ruas praticamente desertas. Uma noiva estava de casamento marcado e uma mulher grávida havia agendado uma cesariana para o dia.