Polícia
Ignorada por gerente e “olhar de nojo”: professora detalha racismo em shopping de AL
Everlane Moraes estava com a filha de 12 anos quando foi seguida por um segurança após entrar em uma loja de produtos domésticos
A professora de dança Everlane Moraes, vítima de racismo em uma loja de um shopping na parte alta da capital no último dia 5, retornou à Delegacia Tia Marcelina, especializada em crimes contra minorias em Maceió, na manhã desta terça-feira (17), para prestar seu depoimento.
Acompanhada pelos advogados Wilton Melo e Pedro Gomes, integrantes do núcleo de advocacia racial do Instituto do Negro de Alagoas (INEG/AL), eles estiveram no local para continuar as diligências que darão capilaridade ao inquérito policial.
No dia em que o caso aconteceu, ela estava acompanhada de sua filha de 12 anos em uma loja de artigos domésticos e de inspiração asiática, localizada em um shopping da parte alta da capital alagoana, quando percebeu ser seguida pelo segurança do local, que antes da vítima entrar na loja, estava parado na porta do estabelecimento.
"Eu notei que ele [segurança] estava parado na porta e começou a andar muito próximo de mim e da minha filha, sempre olhando o que a gente estava fazendo. Como ela é criança ela não para, eu estava só acompanhando. Depois de notar o que ele estava fazendo tentei fazer o reverso, fiquei bem próxima dele olhando as coisas, em nenhum momento ele saiu do lugar, permaneceu lá olhando o que a gente estava fazendo. Quando eu olhava para ele tirava a vista", contou Everlane.
Em seguida, conta, a professora voltou a circular na loja e, na insistência do segurança em segui-la, resolveu abordar o profissional. “Perguntei o que estava acontecendo. Ele ficou olhando as coisas que eu estava segurando, minha bolsa, meu capacete e me respondeu que não, olhando com nojo, desdenhando da minha pergunta”, continuou.
Mais uma vez sendo perseguida dentro da loja, ela resolveu confrontar o homem mais uma vez: “Perguntei se ele achava que por estar com bolsa e capacete eu colocaria alguma coisa dentro, se achava que por ser negra eu iria roubar. Eu disse que estava do lado da minha filha e sou professora, sou exemplo para ela e para os meus alunos”, disse. “Eu perguntei se o trabalho dele era ser racista”, questionou.
Bloqueada pelo gerente
Indignada, a professora foi até o caixa pedir que o gerente da loja fosse chamado e recebeu como resposta que deveria aguardar 30 minutos. Passado o tempo, ela perguntou novamente pelo gerente e mais uma vez a pediram para que ela aguardasse 20 minutos.
Sem poder esperar, a vítima pediu para que o gerente fosse chamado novamente. "Disse a ela [caixa da loja] que ‘ou ele vem ou eu vou’, foi quando ela passou o rádio e nada aconteceu, então eu fui até lá".
Neste momento, um colega de Everlane concidentemente apareceu na loja e a viu tentando entrar na sala de funcionários. Após a súplica, o funcionário finalmente resolveu aparecer e disse que a atenderia em 10 minutos.
"Eu relatei a situação para ele, confesso que chorei, estava muito abalada e nervosa na hora. Falei que eu sei que ele é um homem branco e nunca vai entender o que eu estava falando, mas ele é um reflexo da loja. Ele pediu desculpas, com uma cara irônica como se eu estivesse falando besteira, mas iria olhar nas câmeras se isso realmente tinha acontecido".
Ela e o amigo que presenciou a cena estiveram na delegacia, ele na condição de testemunha e ela como autora do boletim de ocorrência.
Apesar de ter assegurado que respostas seriam dadas, Everlane não conseguiu contatar o gerente posteriormente. No mesmo dia ela enviou uma mensagem no WhatsApp o lembrando de que ela estava aguardando as imagens, mas foi bloqueada e não conseguiu falar com ele nem por ligação.
De acordo com o advogado Wilton Melo, membro do Instituto do Negro Alagoano (INEG-AL), após o registro do Boletim de Ocorrência na última semana, as imagens registradas pelas câmeras de segurança da loja foram solicitadas e posteriormente enviadas à delegacia, mas ainda não foram analisadas.
"A delegada Rebeca Cordeiro informou que eles receberam as imagens mas ainda não tiveram tempo para analisar. Eles também emitiram uma nota informando que será aberta uma sindicância na loja para que seja apurado o que aconteceu no dia", explicou.
Ainda segundo Wilton, após a abertura do B.O. se inicia um procedimento administrativo. Em seguida se iniciam as investigações, como o colhimento dos depoimentos e a análise das imagens.
"Esse inquérito é concluído e mandado para a Justiça, onde será decidido se ele segue como um processo judicial ou será arquivado. Ainda estamos na fase administrativa, de diligências e conclusão do inquérito, para posteriormente se transformar em um processo, que pelo caminhar será de racismo".
Outras vítimas relataram constrangimento
Após o caso, Everlane chegou a relatar o acontecimento e sua indignação nas redes sociais, e, como resposta, recebeu mensagens de outras pessoas alegando já terem passado pela mesma situação na loja.
"Eu entrei em contato com essas pessoas que me responderam, pedindo para que elas viessem aqui hoje depor também, perguntei se elas gostariam de fazer um B.O. oficial ou entrar com uma ação. Infelizmente elas não puderam vir".
INEG
O Instituto do Negro de Alagoas (INEG/AL) é uma organização não-governamental, constituinte do Movimento Negro em Alagoas. Sua missão é a busca da promoção socioeconômica da população negra alagoana em ações de advocacy, litigância, formação política, produção teórica e engajamento.
Everlane buscou o instituto buscando orientação e desde então o grupo se mostrou disponível para acompanhá-la e prestar o apoio necessário.
"O Ineg presta esse apoio a qualquer pessoa que passe por alguma questão racial e não tenha condições de acionar um advogado. Estamos disponíveis para dar apoio jurídico a todas as pessoas que forem vítimas de racismo ou injúria racial", concluiu Wilton.
*Estagiária sob supervisão