Polícia
Especialista elogia lavratura de TCO por PMs de Alagoas, mas pede formação contínua para agentes
Sociólogo e professor, Carlos Martins analisou, em entrevista ao Jornal de Alagoas, mudanças na atividade policial após decreto do governo que permite que agentes façam Termo Circunstancial no local da ocorrência
Após o governador de Alagoas autorizar por decreto que os Policiais Militares do estado podem lavrar o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) no local da ocorrência, o Jornal de Alagoas conversou com o especialista em segurança pública, Carlos Martins, para entender melhor quais as mudanças na prática a decisão do governo pode trazer para policiais e população.
Professor universitário, mestre em sociologia, pesquisador das relações étnico-raciais e da atividade policial, Martins é autor do livro Polícia e Estigma; e Movimento Social Negro e Estado. Segundo ele, é preciso, a priori, entender algo muito importante, que o Brasil adotou um modelo de polícia chamado de “ciclo incompleto”.
“O que é o ciclo? Imagine que você tem uma estrutura de polícia que lida com a mesma polícia, ela lida com a atividade ostensiva, lida com a atividade de investigação também. Ela é uma polícia jurídica, ela é uma polícia de trânsito, ela é uma polícia repressiva. É uma polícia que faz o monitoramento cotidiano. Então, é a mesma polícia fazendo tudo. Então isso é o ciclo completo de polícia”, iniciou.
Vale destacar, que antes da assinatura de Dantas, apenas os policiais civis e federais eram autorizados a registrar o TCO, que tem pena máxima de dois anos de privação de liberdade ou multa, conforme previsto no artigo 69 da Lei nº 9.099/95. O termo pode ser feito, por exemplo, em casos de som alto, ameaça, lesão corporal leve, desacato, briga, entre outros.
O especialista também conta que a maioria dos países adotam o modelo completo, e que apenas três países: Brasil, Guiné-Bissau e Cabo Verde, não o fazem. Para Martins, a ação do governo de Alagoas melhora esse processo ao fazer uma aproximação ao ciclo completo.
“A polícia cuida de investigar. A outra polícia cuida de prender. Então temos essa fragmentação da polícia. Então é o ciclo incompleto dela. Quando o governador Paulo Dantas entrega essa ação para Polícia Militar ele faz uma aproximação ao ciclo completo de polícia, ou seja, uma decisão que melhora o processo de ação da polícia”, elogiou.
Principais vantagens do TCO
Carlos faz comparativos das vantagens que o termo oferece: “Imaginem que um cidadão está com o som ligado. E outros vizinhos reclamam. E aquele vizinho mantém um som na altura. Então a polícia vai e é acionada. Naquele conflito ali, a polícia percebe que o vizinho extrapolou, cometeu alguma infração da norma e ao invés dele ser preso conduzido à polícia, ela simplesmente faz, o TCO sem a condução com coercitiva desse cidadão ou cidadã que é uma pessoa que não é um que não tem uma identidade pautada no crime, no entanto, cometeu uma violação da norma pequena e ao invés de passar pelo constrangimento de uma coesão, de uma condução coercitiva, ela vai responder por aquela infração, mas não vai passar pelo dano do constrangimento de uma prisão”.
Ele completa detalhando que o tempo em que o policial passava para fazer o registro, é toda uma questão que o leva muito tempo. Então, acredita que dessa forma, irá diminuir o tempo. Pois o tempo que a guarnição perde até a delegacia para fazer o registro da ocorrência faz isso em menor tempo e volta, retorna para às ruas, ou seja, em tese, o TCO, evita a prisão de um cidadão, caso seja lavrado no local.
Caso haja excesso dos policiais no uso do TCO, Martins afirma que cabe ao Ministério Público receber as denúncias e realizar o encaminhamento necessário para abertura de processo e do processo do controle. Do controle da atividade policial.
Estrutura Racista
Mas nem tudo são flores. O professor relata alguns pontos negativos que podem surgir a partir dessa mudança no processo policial.
O professor diz que ele próprio fez pesquisas com policiais, a respeito da verificação da compreensão policial em relação ao uso da força e da violência, e o que foi constatado é que o policial não consegue diferenciar, o que é uma ação de força, e o que é uma ação de violência, de modo que ele está produzindo violência, entendendo que aquilo é força policial. Ou seja, quando a força policial traz os princípios de necessidade, proporcionalidade, legalidade, conveniência e moderação, esses princípios nem sempre são compreendidos pelos policiais.
“O abuso policial independe disso [da lavratura do TCO]. Tratando desse assunto em particular, o que nós identificamos é que existe uma deficiência de formação muito grande na formação policial”.
“Muitos agentes nem sabem, nem dão conta da existência desses princípios. Então, há uma necessidade gritante de uma formação continuada. Primeiro, você dá formação policial, diminui a formação militar e aumenta a formação policial. Então é necessário, direitos humanos, é necessário gestão de crise, administração de conflitos, é necessário uma série de questões na área de formação, porque o policial não é bem preparado”, frisou.
Ele continua, afirmando que há poucos policiais que têm uma compreensão melhor a esse respeito, “mas a grande massa, a grande maioria precisa numa situação de conflito, em que o cidadão não representa ameaça de morte ao policial, o policial saca a arma e atira, ou seja, ele teve uma perda do autocontrole emocional, é preciso trabalhar isso, é preciso trabalhar com tratamentos psicológicos. Sendo assim, em relação aos abusos independente dessa decisão do governador, os abusos policiais tendem a aumentar”, disse.
Martins faz questão de destacar que a polícia é racista e que duvida muito que a atuação policial alivie para o sujeito negro, que a tendência é agravar-se mais ainda. “A segurança pública no Brasil foi elaborada ideologicamente para perseguir, para seguir pessoas negras. Essa é a base ideológica da polícia no país, perseguir pessoas negras. Então independe deste decreto se vai aumentar ou diminuir o número de pessoas negras presas independe. O fato é que você tem uma estrutura policial racista, em que os policiais elegem o sujeito mala como um jovem morador negro da periferia. Então então a base é essa, modus operandi, ainda é a busca pelo sujeito suspeito que é o jovem negro morador da periferia”, explicou.
Ele ainda diz não acreditar na redução de prisões de pessoas negras. Destacando que não acredita que com o decreto, reduzirá o número de prisões de pessoas negras. Porque, segundo ele, o elemento fundante das prisões às pessoas negras é o fato delas terem algumas marcas, alguns estigmas nessas pessoas, a interpretação desses estigmas já pressupõe de que elas são pessoas que cometem o crime, são pessoas infratoras, são pessoas que merecem a atenção policial. Para ele, não é um decreto que irá resolver o problema. Podendo de acordo com ele, até aumentar o número de abusos, de vivermos um fenômeno de aumento de morte de negros, um aumento de prisão de negros.
Visão do secretário de Segurança Pública de Alagoas
Flávio Saraiva acredita que a implantação do procedimento entre policiais militares vai facilitar as demandas da sociedade e também beneficiará a corporação, que gastará menos tempo em ocorrências, garantindo assim melhor emprego do efetivo.
Ele avalia da seguinte forma: que na visão do cidadão, ele será atendido agora pelas duas polícias. Dando celeridade às suas demandas, que terão sua ocorrência lavrada de forma menos burocrática. “Agora imagine que em um plantão, um policial com uma ocorrência em Delmiro Gouveia teria que se deslocar até Batalha para fazer o procedimento. E a partir de agora, com a possibilidade da lavratura do TCO no local, isso vai diminuir a subnotificação e garantir que a Polícia Militar empregue com mais eficiência o efetivo, que não precisará passar tanto tempo em uma única situação”, destacou.