Política
Temer não consegue domar instabilidade política
Decisão do Senado de não acatar ordem do ministro do STF de afastar Renan agrava crise institucional
Há quase sete meses Michel Temer assumia a presidência da República, ainda que interinamente, com a expectativa de que pudesse mudar os rumos da política e da economia brasileira. Desde então o turbilhão que atropelou o Governo de Dilma Rousseff no final do seu mandato parece que nunca saiu de Brasília. Desde o dia 12 de maio, quando Temer chegou à presidência, caíram: seis ministros de Estado e dois presidentes do Legislativo – o número um da Câmara dos Deputados em maio, e o número um do Senado Federal nesta segunda. A expectativa de que a mudança de poder traria alento ao Brasil transformou-se em miragem.
O afastamento de Renan Calheiros, após o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio de Mello acatar ação cautelar da Rede Sustentabilidade, agravou ainda mais o quadro do Governo, e o assunto já é tratado como uma crise institucional. A mesa diretora do Senado se negou a seguir a decisão do ministro Marco Aurélio avisando que Renan ainda seria o presidente até que o plenário do STF validasse sua decisão. O julgamento está marcado para esta quarta.
A atitude da Mesa elevou a tensão a grau máximo entre os senadores. “Estou indignado com a irresponsabilidade de todo mundo. Estamos a seis dias da votação da PEC do teto e a 10 dias do fim do mandato do Renan. Que irresponsabilidade! A crise é gravíssima! Não podiam pensar no Brasil? Agora Renan não acata e estamos sem presidente, sem sessão, e é gente de todo mundo ligando em pânico, gigantes do mercado perguntando se já não é hora de deixar o Brasil”, disse o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), segundo o jornal O Globo.
A cada novo capítulo da crise no Governo Temer, mais manchetes negativas ao presidente, que já chegou ao poder com popularidade baixa. Nem mesmo sua sintonia com o Congresso – contrapondo o quadro deletério de Dilma Rousseff no final do mandato – tem ajudado o mandatário perante o país. Em tempos de Lava Jato, essa proximidade atrapalha mais do que ajuda, haja vista a tentativa de alterar projetos anticorrupção na semana passada, que obrigou o presidente a anunciar antecipadamente que se o Congresso aprovasse anistia ao caixa 2, ele vetaria.
Um dos resultados imediatos desse descontrole é o aumento da rejeição ao presidente e até mesmo das chances de ele deixar o poder (apesar de ainda ser reduzido). A consultoria de risco político Eurasia elevou um pouco a possibilidade de que Temer não concluísse seu governo: saltou de 10% para 20% essa perspectiva. Para os especialistas dessa agência, apesar da chance ser baixa, esse aumento se deve à agitação social e a possibilidade de a operação Lava Jato tocá-lo.
Nas ruas, o sentimento de rejeição também é alto. As manifestações deste domingo, por exemplo, que levaram milhares de pessoas às ruas, deixaram claro o desgaste de Temer. Uma pesquisa feita pela empresa de inteligência digital Veto durante o final de semana (3 e 4) mostra que Temer foi o político que mais sofreu menções negativas, mais até que o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), alvo principal dos atos de rua de domingo. O nome de Temer apareceu em 15,6% das citações em perfis do Facebook ou do Twitter cujo tema eram as manifestações. Críticas a ele apareceram em 90,9% dessas citações. Especificamente com relação a Renan, os dados mostram que seu nome apareceu em 5% das citações nas redes, sendo que 86,7% delas foram negativas.
A Veto analisou a representação de um universo de 68,8 milhões de visualizações e comentários de notícias publicadas em perfis das redes sociais no Brasil no fim de semana, ou seja, antes de Renan ser afastado do cargo pelo ministro Marcos Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal. Quando a referência é o governo federal, as queixas também se sobrepõem às manifestações de apoio, respectivamente 80% e 20%. “O público que defendeu o peemedebista o fez de maneira essencialmente pragmática, argumentando que um eventual impeachment de Temer poderia trazer o PT de volta ao poder”, diz um trecho do relatório da Veto.
Às vésperas de cumprir 100 dias oficialmente no poder (Temer foi confirmado no cargo em 31 de agosto quando o impeachment de Rousseff foi validado no Senado), o cenário de instabilidade se instalou sem data para terminar com a recessão e o arrocho fiscal juntos. Nesta terça, o Estado de Minas Gerais declarou estado de calamidade pública por incapacidade de pagar suas contas, incluindo dos funcionários públicos. É o terceiro Estado a declarar incapacidade, depois do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul.
Com projetos de lei e reformas impopulares que a presidência considera fundamentais, como a PEC do Teto de Gastos e a Reforma da Previdência, o desgaste tende a crescer à medida que a população vai se conscientizando de perdas que o ajuste fiscal do atual Governo vai impor, principalmente para os mais vulneráveis. Se desagrada a população, ele ainda tem de mostrar força perante a iniciativa privada e o mercado financeiro, que celebrou sua confirmação como presidente. Com a crise política, agravada nesta segunda com a queda de Renan, as reformas ainda correm o risco de não serem votadas celeremente, comprometendo a recuperação econômica prometida por Temer. O vice-presidente do Senado, o petista Jorge Viana, que deveria assumir a presidência caso Renan seja afastado, já mostrou desinteresse em correr com a PEC do Teto dos Gastos.
Além disso, o Legislativo distorceu um pacote de medidas anticorrupção que era vendido como uma das soluções para melhorar o combate aos crimes de colarinho branco. Isso tudo antes de vir à tona a delação da Odebrecht, a megaempreiteira que deve implicar duas centenas de políticos na trama de corrupção da Petrobras.
Outra pesquisa revela que a avaliação negativa do governo atingiu 52%, de acordo com o Pulso Brasil, um monitoramento mensal de opinião do Instituto Ipsos. Em outubro, 46% dos brasileiros avaliavam a gestão como ruim ou péssima. O levantamento feito com 1.200 pessoas em 72 cidades mostra que 89% dos brasileiros têm a sensação de que o país está no rumo errado (antes, eram 83%).