Política
QG da Lava Jato reúne mais de 30 milhões de arquivos
Arquivos da Lava Jato formam maior acervo de provas já produzido pela Polícia Federal
Em uma sala sem janelas, com acesso controlado e monitorado 24 horas por câmeras, no terceiro andar da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba (PR), está o centro nervoso da Operação Lava Jato. São planilhas de obras públicas, contratos e registros de pagamentos das maiores empreiteiras do País, arquivos de textos, anotações, agendas de encontros, conversas telefônicas, trocas de mensagens de e-mail e celular de empresários, políticos, lobistas e doleiros.
Um acervo criminal e histórico de mais de 30 milhões de documentos que formam o banco de dados da investigação contra a corrupção na Petrobrás que abalou a República – e completa três anos, em março de 2017, em fase de expansão.
A sala tem seis metros por três e uma mesa retangular de escritório no centro, onde estão um terminal de computador, em uma das pontas, e quatro laptops. Todos ligados a dois servidores, sob a mesa, que armazenam a integralidade do material apreendido, processado e digitalizado das 37 fases deflagradas da Lava Jato. São 730 mandados de busca e apreensão cumpridos.
Nos servidores – com capacidade para pelo menos 30 terabytes de memória -, está guardado, além de documentos apreendidos nas buscas, todo material produzido pelos investigadores: laudos de perícia, relatórios de análise, informações policiais, dados de quebras de sigilos fiscal, bancário e telemático dos investigados.
Os arquivos da corrupção da Odebrecht – a nova delatora bomba da Lava Jato -, apreendidos no “departamento da propina”, o Setor de Operações Estruturas, o conteúdo integral dos grampos nos telefones do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus familiares, os bilhetes e dados da conta secreta do marqueteiro do PT João Santana, documentos e contratos apreendidos no Banco Nacional de Desenvolvimento Estratégico e Social (BNDES), na sede da instituição, no Rio, documentos da contabilidade de doleiros, dos negócios e contatos de lobistas e operadores de propinas integram esse banco de dados.
É o maior acervo de provas já produzido pela Polícia Federal em uma investigação contra a corrupção no Brasil.
Memória. Responsável por levar para a cadeia empresários e políticos poderosos e provocar uma ruptura sem precedentes no sistema combate à corrupção no País, a Lava Jato ficou conhecida por alguns nomes que personificam o escândalo, no imaginário popular. O juiz federal Sérgio Moro, titular da 13ª Vara Federal, em Curitiba, onde os processos começaram, o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal, e o agente Newton Ishi, o “japonês da federal”, são alguns deles. Os três personagens, no entanto, representam apenas uma fração do universo de pessoas envolvidas no caso.
Tudo o que é apreendido nas operações de buscas ou é produzido nas investigações é digitalizado, indexado e colocado em uma plataforma acessível para permitir aos investigadores buscas em todo acervo do caso por meio de palavras-chave, uma espécie de Google interno da Lava Jato. O sistema usa um programa desenvolvido por um perito da Polícia Federal de São Paulo.
No terceiro andar da superintendência da polícia, em Curitiba, uma porta no corredor central dá acesso ao núcleo de analistas. São os “homens invisíveis” da Lava Jato.
Um grupo restrito – cerca de 20 – de investigadores tem permissão para uso do banco de dados.
A porta leva à quatro salas que são consideradas por investigadores “o centro nervoso da Lava Jato”, uma ligada à outra por portas internas, que formam um labirinto circular: uma guarda material virtual e físico das investigações, outras duas são das equipes de analistas e na menor delas, fica o banco de dados.
Pela manhã fez calor, mas uma chuva repentina antes do almoço anuncia que o tempo vai mudar até o final da tarde, em Curitiba. Dois coordenadores da equipe de “homens invisíveis” da Lava Jato explicam a sistemática de armazenamento de dados da investigação e, em especial, os critérios de segurança adotados no local. Reserva e desconfiança são palavras de ordem no ambiente.
O banco de dados da Lava Jato é inacessível a hackers (criminosos que agem no ambiente da internet) e pessoas sem autorização. Os arquivos só podem ser consultados fisicamente na sala dos dois servidores, com rigoroso controle de acesso.
Para fazer buscas nos documentos é preciso registrar numa planilha o nome do usuário, data, hora e motivo da busca. O login no computador também serve de controle de segurança. No teto, uma câmera voltada para a mesa grava todo movimento nos terminais, dia e noite.
A primeira sala depois que se entra no labirinto guarda os HDs (hard disks) com as cópias de segurança dos arquivos digitalizados da Lava Jato. São caixas e caixas de HDs – em geral, com capacidade para armazenar 1 terabyte de memória, cada – empilhadas nas prateleiras, dividindo espaço com pastas de inquéritos, relatórios, apensos e análises dos mais de 400 inquéritos e procedimentos criminais já abertos pelos delegados.
Na segunda sala equipes de analistas. Cada uma tem um chefe e fica vinculada a um delegado da Lava Jato. A sala do banco de dados é a próxima, uma sala-passagem, que divide a primeira e segunda estações de trabalho dos analistas. Com computadores ligados em rede e pilhas de pastas de documentos sobre as mesas, eles passam os dias abrindo arquivos apreendidos nas buscas, triando dados de relevância para as apurações e produzindo relatórios de análise para os inquéritos.
Rede. Os dois computadores que são os servidores de dados da Lava Jato têm papéis distintos. Um deles é o do banco de dados, com todo material bruto apreendido nas 37 fases para pesquisa, sem acesso à internet ou em terminais fora da sala de consulta. O segundo é o da “rede Lava Jato”, como é chamado o sistema de comunicação (espécie de intranet) da equipe de policiais que atua exclusivamente nas apurações do caso. São aproximadamente 60 pessoas, entre delegados, peritos e agentes.
É a rede Lava Jato que recebe todo conteúdo produzido por peritos e analistas, como relatórios, laudos, apensos com espelhamento de provas físicas, como documentos apreendidos em papel. Inacessível para pessoas de fora das investigações do caso Petrobrás, a rede é também o canal com o cartório da Justiça Federal, para envio de documentos ao juiz federal Sérgio Moro e aos membros da força-tarefa do Ministério Público Federal.
Com sete fases deflagradas no primeiro ano de investigações, em 2014, a Lava Jato passou a produzir um volume tão grande de documentos de prova que obrigou a Polícia Federal a desenvolver uma nova metodologia para dar conta do trabalho. Em 2016, foram 17 operações. Os números são eloquentes, para um Judiciário que sempre andou devagar: 56 denúncias contra 259 pessoas (algumas com mais de uma acusação), das quais 24 já encerradas com sentença, são 120 condenações com 1.267 anos de penas.
“Quando chegamos, a análise dos documentos apreendidos era feita em uma ferramenta de indexação, mas que apresentava limitações. Ela processava a imagem da mídia apreendida, e o analista passava a olhar o material, como se tivesse sentado no computador do investigado. Era um trabalho braçal, tinha que abrir pasta por pasta, documento por documento, para fazer busca daquilo que era de interesse das investigações”, explica um dos coordenadores da equipe de analistas da Lava Jato.
Com o programa desenvolvido em São Paulo, o trabalho foi simplificado. Com ele, todo material de mídia apreendido é extraído pelo computador, que faz a indexação e coloca tudo em uma plataforma única para acesso e pesquisa dos investigadores.
“Na 15ª fase, por exemplo, descobrimos fatos novos que já estavam em poder da polícia desde a primeira fase, mas que na época não tínhamos conhecimento de sua importância.”
Provas. O banco de dados da Lava Jato guarda documentos que servirão para a deflagração de novas fases, em Curitiba, em 2017, mas também material que pode instruir investigações por todo o Brasil, não só em contratos da Petrobrás, mas também em áreas diversas, como setor de saneamento, telecomunicações e outros crimes financeiros.
Foi o cruzamento de dados armazenados de fases anteriores, em especial as das 23ª e 24ª – que miraram o setor de propinas da Odebrecht e os pagamentos para o marqueteiro petista João Santana – que levaram a Polícia Federal a prender em outubro o ex-ministro Antonio Palocci (Fazenda, governo Lula, e Casa Civil, governo Dilma), alvo da 35ª fase, batizada de Operação Omertà.
Conduzida pelo delegado Filipe Hille Pace, as apurações chegaram ao acerto de R$ 128 milhões em propinas da Odebrecht ao PT via Palocci com base em documentos apreendidos e armazenados no banco de dados pode ajudar nas investigações. Com os arquivos de e-mails trocados por funcionários da empreiteira, os registros localizados nos computadores dos executivos e as delações de duas secretárias da empresa que se chegou a conclusão de que Palocci era a pessoa identificada pelo codinome “Italiano” e João Santana o “Feira”. No material, havia os endereços de entrega de propina, contas secretas em nome de offshores, nome de operadores financeiros.,
A Polícia Federal ainda não discutiu qual será o destino do acervo armazenado no banco de dados da Lava Jato, quando as investigações encerrarem.
O delegado Maurício Moscardi, um dos coordenadores da equipe da Lava Jato, afirmou que um novo sistema para ampliar ainda mais as capacidades de armazenamento e processamento dos dados será adotado, em 2017, com um investimento de mais de R$ 500 mil.
Encerrada as investigações, todo acervo criminal da Lava Jato deve ser disponibilizado para outras investigações da PF, em Curitiba, e para outras autoridades que requererem acesso.
O prazo de encerramento do caso, no entanto, é incerto. A delação da Odebrecht, que deve ser homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), entre fevereiro e março, vai mais do que duplicar as investigações.