Política
Em carta, Palocci pede desfiliação do PT: Somos um partido ou uma seita?
Político foi preso pela Operação Lava Jato e respondia a processo administrativo da legenda, por falas feitas contra o ex-presidente Lula.
O ex-ministro Antônio Palocci enviou nesta terça-feira (26), uma carta ao Partido dos Trabalhadores (PT), em que pede a desfiliação da legenda. No documento de quatro páginas, ele descreve os motivos pelos quais resolveu deixar o partido que ajudou a fundar. A carta é endereçada à presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann. (Leia no fim do texto a íntegra da carta)
Na carta, Palocci diz que:
Defende um acordo de leniência na Lava Jato para o PT
As declarações dadas no depoimento a Moro “são fatos absolutamente verdadeiros”, situações que presenciou, acompanhou ou coordenou, “normalmente junto ou a pedido do ex-presidente Lula”
Diz ter certeza que Lula irá confirmar tudo, “como chegou a fazer no ‘mensalão’” em entrevista na França
Houve uma evolução e acúmulo de corrupções nos governos a partir do segundo mandato de Lula
Foi um choque ter visto “Lula sucumbir ao pior da política no melhor dos momentos de seu governo”
Que foi um erro eleger e reeleger um mau governo, que destruiu “cada conquista social e cada um dos avanços econômicos tão custosamente alcançados”
Que Lula encomendou sondas e propinas em uma reunião com Dilma e José Sérgio Gabrielli no Palácio da Alvorada, “na cena mais chocante que presenciei do desmonte moral da mais expressiva liderança popular que o país construiu em toda nossa história"
Que passou a ser alvo de “um tribunal inquisitorial dentro do próprio PT” ao falar a verdade
Questiona “até quando vamos fingir acreditar na autoproclamação do ‘homem mais honesto do país’”
Questiona se “somos partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?”
Que mesmo nos melhores anos do governo Lula “já se via a peçonha da corrupção se criando para depois tomar conta do cenário todo”
Palocci respondia a um processo aberto pelo diretório municipal de Ribeirão Preto, em São Paulo, em que era acusado de trair a fidelidade partidária. Ex-ministro dos governos Lula e Dilma, ele foi alvo de uma comissão de ética pelas declarações feitas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao juiz Sérgio Moro, no dia 6 de setembro.
Na ocasião, ele disse que Lula mantinha um “pacto de sangue” com o empresário Emílio Odebrecht, o que incluía um pacote de R$ 300 milhões em propinas para o PT, além de agrados ao ex-presidente.
Na carta, Palocci faz uma série de críticas ao PT e ao ex-presidente Lula. O ex-ministro diz que estranhou o processo aberto contra ele, não pela condenação que já recebeu na Lava Jato, mas pelas declarações contra Lula. "Pensava ser normal que o partido procurasse saber as razões que levaram a tal condenação e minhas eventuais alegações. Mas nada recebi sobre isso", escreveu o ex-ministro.
Ele reafirma que todo o conteúdo do depoimento criticado pelo PT trata apenas da verdade dos fatos. O ex-ministro não entra em detalhes sobre o que sabe a respeito de ilegalidades, porque ainda negocia um acordo de delação com a Justiça. "De qualquer forma, quero adiantar sobre as informações prestadas em 06/09/2017 (compra do prédio para o Instituto Lula, doações da Odebrecht ao PT, ao Instituto Lula, reunião com Dilma e Gabrielli sobre as sondas e a campanha de 2010, entre outros) são fatos absolutamente verdadeiros", afirma.
Ele diz acreditar que, em breve, "o próprio Lula irá confirmar tudo isso, como chegou a fazer com o 'mensalão', quando, numa importante entrevista concedida na França, esclareceu que as eleições do Brasil eram todas realizadas sob a égide do caixa dois, e que era assim com todos os partidos".
Palocci diz que participou ativamente de todas as realizações do partido. "Sei dos erros e ilegalidades que cometi e assumi minhas responsabilidades. Mas não posso deixar de destacar o choque de ter visto Lula sucumbir ao pior da política, nos melhor dos momentos do seu governo", diz.
"Até quando vamos fingir acreditar na autoproclamação do 'homem mais honesto do país' enquanto os presentes, os sítios, os apartamentos e até o prédio do Instituto (!!!) são atribuídos à Dona Marisa? Afinal, somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?", questiona.
Críticas ao jeito de governar
Além das críticas a Lula, o ex-ministro também falou sobre as gestões petistas e atacou o modo com que o PT conduziu as decisões governamentais.
"Alguém já disse que quando a luta pelo poder se sobrepõe à luta pelas ideias, a corrupção prevalece. Nada importava, nem mesmo o erro de eleger e reeleger um mau governo, que redobrou as apostas erradas, destruindo, uma a uma, cada conquista social e cada um dos avanços econômicos tão custosamente alcançados, sobrando poucas boas lembranças e desnudando toda uma rede de sustentação corrupta e alheia aos interesses do cidadão", disse em referência a Dilma.
Palocci diz que o PT acabou deixando uma herança ruim ao país. "Nós, que nascemos diferentes, que fizemos diferente, que sonhamos diferente, acabamos por legar ao país algo tão igual ao pior dos costumes políticos", afirmou.
Por fim, ele relembra a atuação política desde a fundação do PT e dos mandatos que recebeu. "Coordenei várias campanhas eleitorais, em vários níveis e pude acompanhar de perto a evolução de nosso poder e nossa deterioração moral. Assumo toda as minhas responsabilidades quanto a isso, mas lamento dizer que, nos acertos e nos erros, nos trabalhos honrados nos piores atos de ilicitudes nunca estive sozinho", diz.
Leniência partidária
Apesar das críticas, Palocci também fez sugestões ao PT. Ele diz acreditar que o melhor caminho para o partido é reconhecer os erros e buscar um acordo com as autoridades. "Há pouco mais de um ano, tive a oportunidade de expressar essa opinião de uma maneira informal a Lula e Rui Falcão, então presidente do PT, que naquela oportunidade transmitia uma proposta apresentada por João Vaccari, para que o PT buscasse um processo de leniência na Lava Jato", diz.
Ele diz que ainda acredita na proposta do PT, mas defende que o partido deva se rejuvenescer. "Depurar e rejuvenescer o partido será tarefa para nossos novos e jovens líderes. Minha geração talvez tenha errado mais do que acertado. Ela está esgotada. E é nossa obrigação abrir espaço a novas lideranças, reconhecendo nossas graves falhas e enfrentando a verdade. Sem isso, não haverá renovação", afirma.
O que Lula disse a respeito?
Quando Lula foi ouvido por Sérgio Moro, no dia 13 deste mês, ele afirmou que Palocci é mentiroso e inventou a história do “pacto de sangue” para agradar os responsáveis da Lava Jato com os benefícios de uma possível delação, ainda em análise. Para a defesa do ex-ministro, Lula é "dissimulado" e mudou de opinião após Palocci ter decidido "falar a verdade".
Em nota ao Jornal Nacional nesta terça-feira, o ex-presidente declarou que Palocci inventa acusações sem provas para obter um acordo de delação premiada. A defesa do ex-presidente afirmou, ainda, que o depoimento prestado por Palocci à Justiça, no começo de setembro, é repleto de contradições com relação ao depoimento que o ex-ministro já tinha prestado em maio deste ano e que a carta divulgada nesta terça-feira segue na mesma direção.
O que diz o PT?
Em nota, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, afirmou que Palocci mente. Para ela, o ex-ministro já está fora do partido "política e moralmente". "A forma desrespeitosa e caluniosa como se refere ao ex-presidente Lula demonstra sua fraqueza de caráter e o desespero de agradar seus inquisidores", afirma. Veja a íntegra da nota.