Política

MP pede afastamento de prefeita de Porto Calvo por fraude à licitação

Na ação, é apontado o uso de empresas de fachada e testas de ferro para beneficiar ilegalmente negócios ligados ao ramo de fardamentos pertencentes à família da prefeita

Por Assessoria 12/07/2022 12h12
MP pede afastamento de prefeita de Porto Calvo por fraude à licitação
Além disso, o Ministério Público requereu ainda o afastamento cautelar dos agentes públicos, incluindo a prefeita Eronita Sposito. - Foto: Reprodução/Redes Sociais

O Ministério Público do Estado de Alagoas ajuizou uma ação por ato de improbidade administrativa contra a prefeita de Porto Calvo, Eronita Sposito, e outras seis pessoas, todas acusadas de fraude à licitação. Na ação, é apontado o uso de empresas de fachada e testas de ferro, de modo a conseguir beneficiar, usando meios ilícitos, negócios ligados ao ramo de fardamentos pertencentes, de fato, à família de Eronita. Além da responsabilização dos acusados por improbidade, os promotores de Justiça Rodrigo Soares da Silva e Kleber Valadares Coelho Júnior também pediram a condenação dos réus, de forma solidária, por dano moral coletivo, no valor de R$ 1 milhão.

São alvos da ação a prefeita Eronita Sposito, o à época Secretário Municipal de Administração e hoje Secretário de Desenvolvimento Urbano de Porto Calvo, Rodolfo Gomes dos Santos, a pregoeira Mayara Bruna Batista Perciano Guizelini, os empresários Willames Glaibson Ramos, Willemberg de Sales Ramos e Paulo Alberto da Costa e o testa de ferro (desempregado) Rafael Rogério da Silva. Segundo o Ministério Público, houve, inicialmente, fraude de um procedimento de dispensa de licitação da Prefeitura de Porto Calvo e, posteriormente, de um processo licitatório do tipo pregão eletrônico, sendo os dois procedimentos fraudados com o objetivo de beneficiar financeira e ilicitamente o grupo familiar da atual prefeita Eronita Sposito, a qual comandava as ações ilegais ao lado do cunhado, Willames, e do filho dele, Willemberg.

Após começar a apurar a denúncia por meio do inquérito civil nº 06.2022.00000075-0, que chegou ao conhecimento do MPAL por meio da imprensa, descobriu-se que ocorreu o uso de empresas de fachada e utilização de respectivas cotações de preços falsas para fins de beneficiar, em dispensa de licitação para aquisição de vestuário/fardamento, a empresa WL Fardamentos LTDA, formalmente registrada em nome do sobrinho do esposo da prefeita, o réu Willemberg.

Os detalhes das fraudes


No decorrer da investigação, ficou comprovado que o processo administrativo de dispensa de licitação nº 05/2021 possuía cotação de preços com três empresas: a W L Fardamentos LTDA, que tem como representante legal Willemberg de Sales Ramos (filho do réu Willames e sobrinho do marido da prefeita), cuja sede seria em Caruaru (PE), a J J Bezerra Filho e a Rony Cleyton Comunicação Visual, ambas supostamente localizadas na cidade de Japaratinga. “Ocorre que, analisando as assinaturas contidas nas respectivas cotações de preços destas duas últimas empresas, observa-se nítida divergência de assinaturas dos representantes legais com aquelas constantes dos atos constitutivos/inscrições/extinções das aludidas empresas na Junta Comercial, além de semelhanças nos designs das logomarcas dessas duas empresas nas respectivas cotações, indicando que foram elaboradas pela mesma pessoa. A fraude é tão grosseira que até mesmo no nome da última empresa foi cometido erro de grafia na logomarca da cotação, uma vez que o correto é Rony Cleyton, e não Rony Cleiton”, alegam os promotores de Justiça Rodrigo Soares e Kleber Valadares.

“Chama a atenção ainda o fato de que, enquanto para essas duas empresas foi confeccionada cotação de preços em documentos com logomarcas e designs próprios, em relação à empresa WL Fardamentos a cotação foi feita em um documento oficial da própria Prefeitura de Porto Calvo, com timbre desta, o que só demonstra a colocação do aparato do poder público municipal para beneficiar a empresa do grupo familiar da atual prefeita. Vale dizer que a empresa WL sequer se deu ao trabalho de elaborar um documento próprio”, acrescentaram os membros do MPAL.

Sobre a empresa JJ Bezerra, foi comprovado que o endereço informado, qual seja, loteamento Cidade de Japaratinga, não existe naquele município, conforme confirmaram moradores e um funcionário dos Correios da cidade. Já com relação à empresa Rony Cleyton, constatou-se que o endereço informado da aludida empresa, Rua Maria Mercês, nº 25, é, na verdade, uma padaria, nunca tendo funcionando, lá, empresa no ramo de fardamentos.

Também chamou a atenção do Ministério Público o fato de terem sido solicitadas cotações de preços para duas empresas com supostas sedes em outro município, quando na cidade de Porto Calvo existem ao menos duas pessoas jurídicas que atuam nesse ramo de vestuário. Com o procedimento realizado, o enriquecimento ilícito obtido com a fraude, e por via de consequência, prejuízo à administração pública municipal foi de R$ 16 mil.

Segunda fraude foi mais “ousada”


Após a referida contratação que ocorreu mediante esquema fraudulento, os réus componentes do grupo familiar da prefeita, não tendo percebido desconfiança dos órgãos de controle e nem da população local, “movidos pela intento de locupletamento ilícito em desfavor do erário municipal, partiram para um esquema ilícito mais ousado, tendo como finalidade beneficiar-se com a contratação direcionada tendo o mesmo objeto, qual seja, a compra de fardamentos/vestuário por parte da Prefeitura de Porto Calvo, desta feita numa contratação de maior vulto, superando o montante de 1 (um) milhão de reais (R$ 1.149.876,26)”, revela a ação judicial.

“Nessa segunda fraude, foi criada uma nova empresa, de razão social Rafael Rogério da Silva Fardamentos, porém, com o mesmo nome fantasia da empresa beneficiada com a dispensa de licitação fraudada, WL Fardamentos, e com endereço no mesmo prédio onde há anos funciona a papelaria pertencente ao sogro da prefeita, senhor Moacir Ramos. E não bastasse essa ‘coincidência’, constava no cadastro da empresa Rafael Rogério da Silva Fardamentos o número de telefone pertencente ao cunhado de Eronita Sposito, identificado como Willames Glaibson Ramos. Rafael Rogério, que aparece como representante legal da empresa Rafael Rogério da Silva Fardamentos, foi cooptado na periferia da cidade de Caruaru e usado como testa de ferro pelos réus integrantes do grupo familiar da atual prefeita, e outorgou para os réus Willames e Willemberg procurações públicas dando a estes amplos poderes para administrar a aludida empresa como se ‘donos’ fossem, e como de fato o são”, dizem os promotores.

“Uma outra prova da fraude reside no fato de que, uma semana antes da publicação do aviso de licitação, a empresa Rafael Rogério da Silva Fardamentos aumentou seu capital social de R$ 20 mil para R$ 150 mil, visando a, desta forma, atender ao quanto previsto no art. 69 da nova Lei de Licitações, que dispõe que, na “Administração, nas compras para entrega futura e na execução de obras e serviços, poderá estabelecer no edital a exigência de capital mínimo ou de patrimônio líquido mínimo equivalente a até 10% (dez por cento) do valor estimado da contratação’, o que, por si só, já revelaria a obtenção de informação privilegiada por parte da aludida empresa”, dizem os promotores Rodrigo Soares e Kleber Valadares.

Embora essa segunda contratação se trate de um pregão eletrônico, em que, em tese, seria mais dificultosa a prática de fraude, esta ocorreu mediante a inserção indevida no edital de licitação de uma exigência impossível de ser cumprida pelos licitantes: a apresentação de uma certidão de nada consta de falência/concordata no âmbito federal. Isto porque a Justiça Federal não possui competência para julgar ações de falência e concordata, e, assim, não emite tal tipo de certidão.

“Observa-se que os demais licitantes foram induzidos a erro pelos autores da fraude, uma vez que, enquanto estes licitantes foram inabilitados por não apresentarem tal certidão no âmbito federal (a bem da verdade, alguns deles também por não cumprirem outros requisitos), a única que foi considerada habilitada no pregão eletrônico foi a empresa pertencente ao grupo familiar da atual prefeita, qual seja, a empresa Rafael Rogério da Silva Fardamentos. O mais interessante é que, para fins de ‘cumprimento’ do referido requisito, a empresa Rafael Rogério juntou uma certidão de nada consta de falência/concordata emitida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, o qual, embora seja organizado e mantido pela União, não se confunde com a Justiça Federal. Resta clara, assim, a prática da fraude com a inserção furtiva de tal requisito no edital, e, posteriormente, a inabilitação indevida dos demais licitantes com base no não atendimento de tal requisito, e, por fim, a habilitação de uma única empresa, a qual o grupo intencionava beneficiar, admitindo a juntada, por parte desta, de uma certidão do TJDFT como se da Justiça Federal fosse”, acrescentaram os promotores.

Uma outra regra que foi inserida posterior e furtivamente no edital do pregão, a apenas três dias da fase de lances, foi a que previa o benefício para empresas locais, dando preferência na contratação daquela que apresentasse proposta até 10% mais elevada que a proposta vencedora, sendo que a única empresa local disputando a aludida licitação era justamente a empresa Rafael Rogério da Silva Fardamentos, cuja sede, supostamente localizada no mesmo endereço do prédio da papelaria do sogro da prefeita, não passava de uma “sede-fantasma”, sem equipamentos, móveis ou produtos.

Por fim, chamou a atenção do MPAL a quantidade de fardamentos licitados, a exemplo dos fardamentos para a Guarda Municipal da cidade e para os alunos da rede pública municipal dos anos iniciais. Para a Guarda, dois lotes licitavam 1000 e 1093 camisas, respectivamente, ambos com o brasão do órgão, totalizando mais de 2.0000 camisas, em que pese no Município sequer haja guarda municipal regularmente criada, possuindo apenas 20 trabalhadores vigilantes fazendo as vezes de guardas municipais. Ou seja, foi solicitado um quantitativo correspondente a mais de 100 vezes o número atual de “guardas municipais. Com relação às fardas para os estudantes dos anos iniciais, foi licitada a aquisição de 6 mil camisas, quando, segundo dados do Censo Escolar 2021 divulgados pelo INEP, havia apenas 1.656 alunos matriculados narede pública municipal. “Resta demonstrado que, para além de fraudar o pregão eletrônico em si, os réus componentes do grupo familiar da atual prefeita objetivavam maximizar os lucros com a prática da fraude, com uma suposta aquisição de fardamentos num montante que ultrapassa um milhão de reais, em um município que, segundo os dados do último Censo do IBGE, não ultrapassa os 27 mil habitantes, o que, por si só, já revela a desproporcionalidade na aludida contratação”, concluiu o MPAL.

Em razão das irregularidades encontradas pelo Ministério Público em sua investigação, o pregão eletrônico e respectivo contrato milionário foram revogados.

Os pedidos do Ministério Público


Os promotores de Justiça Rodrigo Soares e Kleber Valadares pediram a condenação de todos os réus por ato de improbidade administrativa, inclusive com a perda dos cargos ora ocupados por cada um deles.Ademais, considerando que, após a revogação do pregão eletrônico fraudado, foi realizado um novo pregão mantendo os mesmos quantitativos de fardamentos, os promotores requereram ainda seja proferida decisão liminar suspendendo a contratação e respectivos pagamentos no âmbito desse novo pregão, até que se apurem as circunstâncias que envolvem esse procedimento.

Além disso, o Ministério Público requereu ainda o afastamento cautelar dos agentes públicos dos seus respectivos cargos pelo período de 90 dias. “Na espécie, faz-se imprescindível o afastamento temporário e cautelar dos réus Eronita Sposito, Mayara Bruna Batista e Rodolfo Gomes dos cargos de prefeita municipal, pregoeira e secretário municipal de Turismo, respectivamente, haja vista a existência de elementos concretos que evidenciam que a permanência dos referidos réus em seus cargos representa risco efetivo à instrução processual e continuidade na prática de atos de improbidade administrativa no quadrante de licitações e contratos”, alegou o MPAL.

Por fim, foi pedida a condenação do grupo por dano moral coletivo no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), de forma solidária.