Política

Guerra judicial sobre fake news entre Dantas e Cunha afasta o eleitor, avalia cientista política

Jornal de Alagoas conversou com especialistas para entender os porquês da

Por Ruan Teixeira 22/10/2022 10h10 - Atualizado em 24/10/2022 09h09
Guerra judicial sobre fake news entre Dantas e Cunha afasta o eleitor, avalia cientista política
Rodrigo Cunha (UB) e Paulo Dantas (MDB) disputam o segundo turno em Alagoas - Foto: Reprodução/Internet

É perceptível o alto número de processos judiciais contra fake news, notícias caluniosas e materiais de propaganda irregular movidos pelas campanhas dos dois candidatos ao governo de Alagoas que estão no segundo turno, Paulo Dantas (MDB) e Rodrigo Cunha (UB).

Para entender como essa verdadeira guerra judicial, que já movimentou, somente no segundo turno, mais de 20 processos no Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas (TRE/AL), interfere na escolha do próximo governador do estado, o Jornal de Alagoas entrevistou especialistas em ciência política, comunicação e direito eleitoral.

Entre eles, há um consenso: quem sai perdendo são os eleitores. Para Luciana Santana, cientista política e professora da Universidade Federal de Alagoas, o número de votos nulos e brancos deve aumentar na votação do segundo turno.

Ela avalia que os impactos das brigas jurídicas, e das notícias falsas que envolvem os políticos, sendo fortemente disseminadas, geram impossibilidade de escolhas, ou seja, o eleitor tende a se abster.

Luciana Santana. Foto: Arquivo pessoal


“Aquele que já está decidido em que irá votar, pouco vai mudar, mas para o indeciso, uma guerra entre os candidatos só afasta o eleitor. Estamos tratando de uma eleição totalmente polarizada, onde os candidatos estão apostando alto em campanhas negativas para poder atingir o objetivo principal dos políticos, que é se eleger. Estar no poder, ganhar poder, ou seja, a mensagem que estão passando para o alagoano é de que para ficar no poder vale qualquer estratégia”, destaca Santana.

Candidatos punidos

O Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas - TRE/AL já puniu as campanhas de Dantas e Cunha nas eleições deste ano. Uma verdadeira guerra judicial envolvendo notícias falsas, direito de respostas, propagandas eleitorais difamatórias.

Um dos principais casos envolveu a entrega de cestas básicas pelo estado aos municípios. Criado três meses antes das eleições, o programa "Pacto Contra a Fome", do governo estadual, entregava alimentos e itens essenciais a mais de 100 mil famílias alagoanas. A campanha Alagoas Merece Mais, de Rodrigo Cunha, entrou com ação na Justiça Eleitoral para suspender a entrega, alegando que a mesma está sendo utilizada de forma política, trazendo retorno eleitoral, para o governador Paulo Dantas - afastado do cargo por decisão do STJ.

A suspensão se iniciou nessa sexta-feira (21), a uma semana do pleito, por decisão do desembargador Alcides Gusmão, do Tribunal de Justiça de Alagoas. Ele entendeu que "a distribuição de cestas básicas na semana que antecede a eleição pode denotar indevido benefício ao gestor/candidato", disse, no documento.

Esse foi um dos casos, mas não foram poucos os releases enviados à imprensa pelas assessorias dos dois candidatos falando sobre as decisões judiciais que afirmam que o adversário estava circulando fake news em peças publicitárias divulgadas no horário eleitoral.

Em apuração feita pela reportagem, foi constatado que foram abertos mais de 20 processos jurídicos dos dois candidatos somente no segundo turno. Procurada a assessoria de imprensa do TRE, que não haveria como precisar o número de processos envolvendo fake news abertos pelas campanhas, pois os Tribunal está trabalhando na reta final das eleições e o levantamento não poderia ser feito. A assessoria informou, no entanto, que esse tipo de processo não entra pelo Núcleo de Desinformação do Tribunal, mas sim pela assessoria jurídica dos candidatos.

A reportagem solicitou às duas campanhas, desde a última terça-feira (18), o número exato de processos sobre fake news abertos e deferidos ou indeferidos, pedidos de direito de reposta. Ambas as assessorias disseram que os setores jurídicos não conseguiram concluir o levantamento desses dados, nem passar uma estimativa. O espaço está aberto para atualização.

"Justiça precisa de mais efetividade para retirar propagandas negativas"

O advogado especialista em Direito Eleitoral, professor universitário e doutor em Direito, Gustavo Ferreira, também conversou com a reportagem e explicou que em casos como esses citados acima, o que a Justiça Eleitoral pode fazer é julgar os processos, tomando as providências cabíveis, assim como firmar acordos com as plataformas de redes sociais e de aplicativos telemáticos, tipo Telegram, WhatsApp, dentre outros.

“Devem ser tomadas as medidas, havendo o cumprimento mais imediato possível das decisões judiciais. Além disso, a gente corre o risco da Justiça Eleitoral exacerbar, ou seja, ultrapassar o limite das suas atribuições. O que está sendo feito e tomar as medidas no sentido de tirar propagandas negativas do ar, propagandas eleitorais fora da propaganda gratuita eleitoral, é ter a mais rápida efetividade das suas decisões judiciais e afastamento, ou de retirada de propagandas negativas publicadas para quem quer que seja”, explicou o advogado.

Gustavo Ferreira. Foto: Arquivo pessoal


Gustavo destaca que, agora, cabe à população, ter a responsabilidade e não somente esperar a Justiça Eleitoral, mas partir dele a verificação do que é verdade e não é.

"A campanha inclusive é feita pelos órgãos de imprensa de forma muito inteligente, então, que o eleitorado também investigue, apure. Pois a própria Justiça Eleitoral tem um canal para verificação de boatos, pelo WhatsApp, com canal gratuito, então o encaminhamento dentro da normalidade, sem exacerbar, sem ultrapassar seus limites é a competência e seus poderes, previstos em lei seja no âmbito do TSE, seja no âmbito aqui do TRE de Alagoas”, concluiu.

"Fenômeno é normal", diz professor

Para o professor do curso de jornalismo da Ufal e coordenador do grupo de Grupo de Pesquisa Crítica da Economia Política da Comunicação (Cepcom/Ufal - CNPq), Júlio Arantes, os candidatos têm recorrido ao judiciário para contestar esses "conteúdos", pedindo então, para que sejam retiradas do ar pelo fato de alegarem que são fake news. 

"Eles usam isso, inclusive, durante a campanha, para dizer que o candidato X foi mais condenado do que o outro, por isso e por aquilo”, exemplifica Arantes.

Júlio, que tem doutorado em Ciências da Comunicação pela USP, acredita efetivamente que toda essa situação de guerra judicial e fake news faz parte do meio político, e que não aparenta ser um fenômeno a ser conscrito a essa atualidade da comunicação digital, fazendo um comparativo com período mais relativamente recente.

“Durante os períodos eleitorais é sabido, dentro do campo da comunicação, pelos jornalistas, os profissionais da comunicação em si, pessoas que fazem campanha ou que cobrem campanha, que durante os períodos eleitorais, uma parte dos políticos abre ou contrata jornais, blogs, canais, especificamente para veicular informações de cunho político para produzir informação com um viés editorial que favoreçam o seu lado e que desfavoreça seus adversários ”, ressaltou.

Júlio Arantes afirma que toda essa situação de guerra judicial e fake news faz parte do meio político
Júlio Arantes. Foto: Vitória Ester Costa


O professor diz que essa "batalha jurídica'' faz parte da disputa política tal como os pleitos eleitorais são organizados hoje. Mas uma dessas problemáticas assusta Arantes: "Essa disputa que se dá com o uso dos meios de comunicação saiu do período eleitoral e se tornou permanente durante os últimos anos. Se a gente pegar aí pelo menos um período antes de 2018, essa construção, se desloca do período eleitoral e vai acontecer permanentemente nos últimos quatro anos”.

O professor ainda relembra que durante a pandemia da Covid-19, ficou clara a grande dificuldade de controlar a disseminação de conteúdo falso nas redes, e que isso continua mais ou menos da mesma forma. “Quem tem tentado fazer alguma coisa é o judiciário, mas de uma maneira bastante problemática também, pois não há uma discussão que envolva a sociedade como um todo para resolver o problema da disseminação de notícias falsas. Acredito que seja um problema mais complicado do que só um processo com uma condenação prejudicial para o pleito”, finaliza.