Política
PF identifica depósitos em dinheiro vivo de ex-assessor para Michelle Bolsonaro
Investigação confirmou mensagens que revelam esquema de desvio de recursos e rachadinhas
A Polícia Federal identificou uma suspeita de desvio de recursos e rachadinha no Palácio do Planalto no governo de Jair Bolsonaro (PL) por meio de depósitos em dinheiro vivo feitos pelo ex-ajudante de ordens Mauro Cid à ex-primeira dama, Michelle Bolsonaro. Uma assessora de Michelle também estaria envolvida nas transações.
A transcrição dos áudios obtidos pela Polícia Federal foi revelada pelo portal UOL. Mauro Cid foi preso no dia 3 de maio em uma operação da Polícia Federal sobre fraudes em certificados de vacinação contra a covid-19 no sistema do Ministério da Saúde.
Ao site, a defesa de Bolsonaro e Michelle negou as irregularidades e afirmou, em nota, que tem "absoluta convicção que todos os pagamentos referentes ao dia a dia da família eram feitos com recursos próprios."
Em reportagem publicada no último sábado (13) foi revelado pela PF o diálogo entre Cid e Giselle dos Santos Carneiro da Silva, assessora da então primeira-dama.
"Se ela (Michelle) perguntar pra você ou falar alguma coisa ou comentar, é importante ressaltar com ela que é o comprovante que ela tem. É um comprovante de depósito, é comprovante de pagamento. Não é um comprovante dela pagando nem do presidente pagando. Entendeu? É um comprovante que alguém tá pagando. Tanto que a gente saca o dinheiro e dá pra ela pagar ou sei lá quem paga ali. Então, não tem como comprovar que esse dinheiro efetivamente sai da conta do presidente", disse Mauro Cid, em 25 de novembro de 2020, a Giselle dos Santos Carneiro da Silva, assessora da então primeira-dama, de acordo com áudio obtido pela PF.
"É a mesma coisa do Flávio", disse Mauro Cid a Giselle em outro trecho do áudio, reforçando a preocupação com o caso.
A PF também identificou uma empresa com contrato na Codevasf como origem de recursos transferidos a um integrante do Palácio do Planalto, que seria responsável pelo pagamento das despesas de Michelle Bolsonaro. Foram encontrados, em mensagens por WhatsApp, sete comprovantes de depósitos em dinheiro vivo feitos por Cid, enviados por imagens. O dinheiro foi encaminhado às assessoras da ex-primeira-dama. Segundo a PF, os comprovantes foram localizados tanto no grupo de WhatsApp da Ajudância de Ordens da Presidência da República, quanto em trocas de mensagens.
Os repasses totalizaram R$ 8.600,00. Os depósitos eram feitos em pequenos valores, de forma fracionada, para impedir o alerta aos órgãos de controle e a identificação de irregularidades, uma prática comum nos casos de rachadinha, segundo a investigação.
Por serem pagamentos em dinheiro vivo, não há como identificar a origem dos valores. O inquérito da PF apura se os pagamentos seriam provenientes do desvio de recursos públicos do Palácio do Planalto.
Outra transferência bancária, no valor de R$ 5.000,00 foi realizada em junho de 2021 diretamente da conta de Mauro Cid para a conta de Michelle.
Devido às transações, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes autorizou a quebra do sigilo bancário de Mauro Cid e outros servidores que trabalhavam na Ajudância de Ordens da Presidência. A quebra do sigilo bancário de Cid foi revelada em setembro do ano passado pelo jornal Folha de S.Paulo. A PF busca identificar outras transações suspeitas envolvendo a primeira-dama e a Ajudância de Ordens.
Boletos do irmão
A PF também identificou pagamentos de boletos para um irmão de Michelle Bolsonaro, aumentando os indícios de desvios de recursos da Presidência. Em 1º de setembro de 2021, uma das assessoras da ex-primeira-dama enviou a Mauro Cid um boleto do plano de saúde do irmão de Michelle. O ajudante de ordens realizou o pagamento com recursos da conta bancária de Jair Bolsonaro.
No fim do mesmo mês, a assessora de Michelle pediu novamente o pagamento do boleto do plano de saúde do irmão dela, mas Cid disse que aquela despesa não poderia ser feita por ele. A mensagem em áudio, em tom de irritação, foi obtida pela PF.
“Não tem como mandar esse tipo de boleto. (...) Quando for assim, me manda só o pedido do dinheiro e vocês pagam por aí, porque isso aí não é gasto do presidente, nem da dona Michelle! É, deve ser de um terceiro que ela está pagando aí a conta desse terceiro aí!”, disse Mauro Cid, conforme revelado por reportagem.
A demanda foi encaminhada para a equipe da Ajudância de Ordens, que sacou dinheiro e pagou o boleto. Para a PF, o fato é um indicativo do desvio de recursos do governo federal.
"Os elementos informativos colhidos demonstram que, apesar da despesa não ter relação com o Presidente da República nem com a primeira-dama, Mauro Cid anui e autoriza que o tenente Crivelatti (servidor da Ajudância de Ordens) encaminhe a quantia de R$ 590,91, oriunda da Ajudância de Ordens, à pessoa de Vanderlei para pagamento do plano de saúde tendo como beneficiário Yuri Daniel Ferreira Lima, irmão da sra. Michelle Bolsonaro", escreveu a Polícia Federal.
Orientação de Bolsonaro
Outra troca de mensagens mostra que Jair Bolsonaro orientou Mauro Cid a pagar um boleto em dinheiro vivo, referente a uma despesa hospitalar de Maria Helena Braga, tia de Michelle. A investigação da PF não identificou se os recursos saíram da conta pessoal de Bolsonaro ou dos cofres da Ajudância de Ordens.
“No grupo de WhatsApp da Ajudância de Ordens, Mauro Cid encaminha orientação do Exmo. Sr. Presidente da República, no sentido de o pagamento da GRU ser feito em dinheiro para ‘evitar interpretações equivocadas’”, diz, em despacho sobre as quebras de sigilo, o ministro Alexandre de Moraes. Em seguida, um dos servidores da sua equipe faz o pagamento do boleto e lhe encaminha o comprovante, sem deixar claro qual teria sido a origem dos recursos.
Defesa nega desvios
Conforme a reportagem do portal UOL, o ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro e advogado membro da equipe de defesa do ex-presidente, Fábio Wajngarten, diz que os pagamentos pessoais da família eram feitos “com recursos próprios”, negando desvios de valores do Planalto.
"A defesa reitera que pequenos fornecedores e/ou prestadores de serviços informais recebiam em espécie a fim de proteger a privacidade do ex-presidente, bem como evitar exposição desnecessária e riscos de fraudes", diz a nota.
"A defesa fará uma exposição detalhada de todos os custos, valores, saídas de recursos próprios do ex-presidente durante todo o período do mandato, nos 48 meses, a fim de evidenciar o quanto isso tudo se trata de uma perseguição política, com a apropriação e divulgação de vazamentos seletivos a fim de constranger os envolvidos”, prossegue.
Wajgarten diz ainda que "a maneira como as informações são repassadas, o aparecimento de novas 'evidências' e a suspeição permanente evidenciam que o único objetivo de todos os envolvidos é o de tentar macular a imagem do ex-presidente da República. Na falta de fatos concretos, como a devolução de bilhões de reais, como ocorreu na Petrobras, tenta-se criar um escândalo com despesas corriqueiras. A verdade prevalecerá".
O advogado de Mauro Cid, Bernardo Fenelon, afirmou em nota ao UOL que "por respeito ao Supremo Tribunal Federal, se manifestará apenas nos autos do processo".