Política

Na contramão de especialistas, Alfredo Gaspar diz que "maconha é porta de entrada para outras drogas"

Político alagoano repudiou em suas redes sociais, a votação da liberação da droga pelo STF

Por Ruan Teixeira* 03/08/2023 14h02 - Atualizado em 03/08/2023 18h06
Na contramão de especialistas, Alfredo Gaspar diz que 'maconha é porta de entrada para outras drogas'
Alfredo Gaspar - Foto: Edilson Omena

O deputado federal por Alagoas, Alfredo Gaspar (UB), utilizou o plenário da Câmara Federal para falar sobre descriminalização do porte e uso da maconha, suspensa pelo Supremo Tribunal Federal nesta quarta-feira (2), após pedido do relator ministro Gilmar Mendes. Gaspar afirmou que maconha ''é a porta de entrada para entorpecentes mais perigosos''. Sua opinião vai de encontro a estudos e posicionamentos de especialistas na área.  

Gaspar começou sua explanação dando o exemplo da cidade Cruzeta, no Rio Grande do Norte, em que, no final dos anos 90, as áreas públicas do município tomadas por plantas de maconha, quando o juiz da comarca local mandou erradicar os pés da planta. Após contar o causo, ele criticou o voto do ministro Alexandre de Moraes, afirmando que o "STF transformou o Brasil de hoje na Cruzeta de ontem. Essas decisões de cada ministro levará como aconteceu em cruzeta, a maconha para dentro de lares, para a praças públicas, escolas e cemitérios. Essa vergonha de descriminalizar a droga, usurpando a competência desse parlamento transformará o Brasil em um país que, infelizmente, tornará a droga com um potencial lesivo tão grande em algo totalmente comum". 

Em suas redes sociais ele voltou a questionar a votação do STF: ''A liberação das drogas pelo STF é preocupante para nossa sociedade. A maconha é a porta de entrada para entorpecentes mais perigosos. É essencial que o Parlamento atue e não permita que isso aconteça da forma que está sendo conduzido. Eu digo não para a liberação das drogas'', escreveu Gaspar.

Gaspar foi duas vezes secretário de Segurança de Alagoas e também procurador-geral de Justiça do estado alagoano, ficando conhecido por participar ativamente das operações policiais realizadas pela SSP-AL. 

Nessa última quarta-feira, 02, o ministro Alexandre de Moraes votou para descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. Moraes propôs critérios para diferenciar usuário de traficantes: a posse de uma quantidade de 25 a 60 gramas ou de seis plantas fêmeas. Até o momento, há 4 votos a favor da descriminalização.  

Vale destacar que o julgamento do processo que discute a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio estava paralisado desde 2015, porém a Corte retomou com o voto de Moraes. Ou seja, o ministro votou para não ser considerado mais crime o porte de maconha para consumo pessoal. 

“O critério deve, caso a caso, ser analisado com base em outros critérios, complementares. Por exemplo, a forma como está condicionado o entorpecente, a diversidade de entorpecentes, a apreensão de outros instrumentos, como balança, cadernos de anotação, locais e a circunstâncias da apreensão”, declarou Moraes. 


Veja abaixo a declaração completa publicada por Alfredo :


Maconha não é porta de entrada, dizem especialistas 

Em 29 de maio de 2019, o perfil oficial do renomado médico Drauzio Varella publicou um rápido bate-papo entre o médico e o pesquisador do Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), Renato Filev, onde na oportunidade conversaram se a maconha é ou não a porta de entrada para outras drogas. 

Para Filev, a informação não passa de um mito. ''Se for assim outras substâncias são usadas de maneira muito anteriores epidemiologicamente do que cannabis. O exemplo disso é o tabaco, o álcool, elas são substancias psicoativas, que causam motivação e euforia. Isso é uma questão muito mais da ilicitude da maconha, que está vinculada a outros tipos de drogas, do que os efeitos farmacológicos da maconha em si'', explicou. Veja abaixo:

Estudo do Programa de Atendimento a Dependentes Químicos da Universidade de São Paulo (Unifesp), mantido pelo departamento de psiquiatria da universidade aponta que é correta a noção de que algumas drogas são uma porta de entrada para a dependência química, porém, este não é o caso da maconha.  

''Os usuários dessa erva fazem uso esporádico dessa substância e, pelo menos, 90% deles abandonam a Cannabis depois de algum tempo. Além disso, nos estudos realizados não há indícios de que o uso de maconha representaria um estímulo para o experimento de outras drogas'', diz  estudo.

Custo da guerra às drogas

Para a coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), Julita Lemgruber, os gastos anuais para colocar em operação a lei de drogas chegam a R$ 5,2 bilhões apenas no Rio de Janeiro e em São Paulo, disse ela, em entrevista concedida para Agência Brasil.  

“Se nós estendermos esse cálculo para todo o Brasil, veremos que o país tem R$ 15 bilhões de seu orçamento direcionados à implementação da lei de drogas”, acentuou a socióloga, que foi diretora do Departamento do Sistema Penitenciário Nacional''.  

Ainda segundo Julita, “as guerras às drogas é o álibi perfeito para a polícia exercer seu poder de causar mortes e encarcerar a população jovem e negra nesse país”, disse ela, ao classificar a forma como a lei de drogas tem sido implementada como um “verdadeiro genocídio da população negra”.

Proibição gera mortes

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicou um levantamento no di 22/06/2023, onde relatou que o custo de bem-estar da guerra às drogas corresponde a R$50 bilhões por ano, assim como, estima que os homicídios relacionados a proibição das drogas reduz a expectativa de vida dos brasileiros de 4, 2 meses. 

O Ipea também apontou que a guerra às drogas foi responsável por 34% dos homicídios no Brasil.  

A pesquisa ''Custo de bem-estar social'' dos homicídios atribuídos ao proibicionismo no Brasil analisou dados de homicídios em 2017 em quatro territórios diferentes e fez uma estimativa com base em outros estudos que se debruçaram em inquéritos policiais que revelassem as motivações atribuídas às mortes. 

"Dentre os territórios analisados, o estado do Rio de Janeiro (46,6%) lidera essa proporção, seguida das cidades de Belo Horizonte (32,2%), em Minas Gerais, Maceió (30,4%), em Alagoas, e o estado de São Paulo (27,7%)'', diz trecho do relatório.  

O levantamento então estimou também que o proibicionismo de drogas fez a população perder 4,2 meses de vida, por pessoa, ao nascer, o que somaria 1,148 milhão de anos potenciais de vida perdidos. 

“Estamos perdendo recursos financeiros, vidas humanas, talentos que poderiam estar caminhando para o processo civilizatório do país, mas a gente esbarrou nessa herança colonial que traz duas instituições como regra: uma é a violência como mecanismo de controle social de ‘grupos indesejáveis’ e o segundo é o racismo estrutural”, afirma Daniel Cerqueira, economista, pesquisador do Ipea e conselheiro do FBSP. “É uma irracionalidade a perpetração do proibicionismo como política de segurança no Brasil”, critica. 

A pesquisa foi lançada no dia 22 de junho deste ano pelo Ipea durante o 17º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em Belém, no Pará.

*Com agências.