Política
Emendas parlamentares dobram em 10 anos: Congressistas terão direito, em média, a R$58 milhões cada
. No próximo ano, a média por parlamentar atingirá R$58 milhões
A investida do Congresso para ampliar seu controle sobre o Orçamento resultou em mais do que o dobro do montante disponível para que os parlamentares destinem a seus redutos eleitorais ao longo da última década. Em 2014, último ano em que as emendas não eram compulsoriamente custeadas pelo governo, os congressistas tinham a prerrogativa de indicar R$26 milhões, corrigidos pela inflação. No próximo ano, a média por parlamentar atingirá R$58 milhões. Desse modo, o valor nas mãos de um único deputado, por exemplo, superará o recebido por 79% das prefeituras nacionais no ano anterior, considerando todas as transferências da União para os municípios.
O aumento da influência do Parlamento na definição dos recursos públicos difere substancialmente do que é observado em outros países. Segundo um estudo conduzido pelo economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e especialista em contas públicas, o Brasil é um dos países em que o Legislativo mais promove modificações no Orçamento. Em 2022, 24% da receita foram objeto de emendas por deputados e senadores, índice superior aos dados comparáveis de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No Brasil, foram apresentadas 7.014 emendas em 2022, das quais 6.522 foram aprovadas. Em contraste, em Portugal, em 2021, houve 1.547 propostas, com apenas 291 sendo aprovadas.
Mendes destaca a magnitude dessa disparidade, afirmando que não há país no mundo em que o Congresso interfira tão profundamente no Orçamento. Deputados e senadores justificam que conhecem as necessidades imediatas de suas cidades, através do contato direto com prefeitos e líderes locais.
No entanto, para Mendes, essa justificativa tem limitações, pois conduz a uma excessiva "municipalização" das políticas públicas. Ele ressalta que estratégias nacionais, como segurança pública e saúde, demandam planejamento centralizado, que depende da capacidade do governo federal em determinar, por exemplo, a localização mais eficiente para um hospital de alta complexidade. As emendas, ao contrário, resultam na dispersão desses recursos.
Os R$58 milhões atribuídos a cada parlamentar levam em consideração apenas as chamadas emendas impositivas, que o governo é obrigado a pagar. Se o Congresso tivesse implementado a mesma condição para as emendas de comissão, a quantia reservada em 2024 seria de R$11 bilhões, elevando a média para cada deputado e senador a R$81 milhões. Apesar de o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Danilo Forte (União-CE), ter recuado da ideia de tornar obrigatória a execução desses recursos, um acordo entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prevê que essas emendas não serão bloqueadas no próximo ano.
O crescimento desses recursos é o cerne de uma disputa entre o governo federal e o Congresso pelo poder de direcionar recursos orçamentários. Desde as eleições, o presidente Lula expressa desconforto com o aumento do poder dos parlamentares. Em maio de 2022, Lula comparou Lira ao "imperador do Japão", especialmente no que diz respeito ao Orçamento. Incapaz de reduzir essa influência, o governo mudou sua abordagem, tentando persuadir os parlamentares a destinar suas emendas para projetos que considera prioritários, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Até o momento, não tem obtido sucesso, já que congressistas sugeriram retirar cerca de R$9 bilhões do PAC para direcionar a seus redutos eleitorais.
Apesar de especialistas concordarem que a alocação de recursos públicos para prefeituras aliadas não é intrinsecamente problemática, apontam que os benefícios dessas políticas tendem a se dissipar ao longo do tempo, sem uma estratégia clara. O cientista político Frederico Bertholini, da UnB, argumenta que é necessário desassociar as emendas de sua conotação negativa como instrumento de barganha e enxergá-las como um mecanismo para políticas públicas eficazes. Ele destaca a importância da barganha política para o equilíbrio entre o Executivo e o Legislativo, e alerta que a confusão entre relações políticas e corrupção prejudica o espaço para mediação na política.
*Estagiária sob supervisão