Política

Com quase dois anos na Funai em AL, Cícero celebra avanços orgânicos, mas alerta: "Trabalhamos no limite do não"

Por Vinícius Rocha 23/03/2025 10h10
Com quase dois anos na Funai em AL, Cícero celebra avanços orgânicos, mas alerta: 'Trabalhamos no limite do não'
Cícero Albuquerque, Coordenador Regional da Funai - Foto: Reprodução

Prestes a completar dois anos à frente da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Alagoas e na coordenação regional Nordeste 1, que abrange também os estados de Sergipe e Pernambuco, Cícero Albuquerque avalia a questão índigena local, pondera sobre os avanços conquistados, relacionamento entre atores político-jurídicos e tece críticas às tramas dos tecidos sociais que inferem diretamente na vida dos povos indígenas alagoanos.

“No meu discurso de posse, há quase dois anos, eu disse que iríamos atuar no limite do sim, hoje tenho certeza que trabalhamos no limite do não. Trabalhamos no mínimo do mínimo”, lamenta o professor licenciado da Universidade Federal de Alagoas, indicado ao cargo pelas lideranças locais no começo de um esperançoso terceiro mandato do presidente Lula, que, na sua avaliação, faz um governo de coalizão e peca pela falta de ousadia.

Apesar disso, Cícero celebra, em suas palavras, pequenos avanços e se mantém reticente sobre o que seria a principal conquista de sua gestão, a homologação da Terra Indígena Xukuru Cariri, em Palmeira dos Índios, a última das 14 TIs cuja homologação fora prometida pelo presidente Lula, ainda no período de transição no início de seu terceiro mandato.

“Já foram 13, falta uma, justamente a de Palmeira dos Índios. Aí temos a dimensão do que significa Alagoas: ‘um estado pequeno mas que consegue embarreirar um processo nacional’. O tráfico de influência política foi grande até agora. Em abril passado esse negócio bateu na trave, e nossa expectativa agora é que o governo Lula cumpra finalmente. Essa é uma questão eminentemente política, porque do ponto de vista técnico o processo está pronto e falta a canetada do presidente. Esse foi um compromisso que ele assumiu”, pontua o coordenador.

Sobre sua gestão na Funai, Albuquerque diz que atua principalmente nas questões ambientais e territoriais em duas outras grandes frentes, além da TI de Palmeira dos Índios:

Estudos em Porto Real do Colégio e São Braz para desintrusão de não indígenas dos territórios dos povos originários e a atuação nos Termos de Execução Descentralizada (TEDs), acordados entre a Funai e a Ufal, que são os estudos para identificação e delimitação de quatro povos: Katokinn, Karuazu, Jeripancó, na região de Pariconha e Coyupankká, em Inhapi.

“Isso nos dá uma cenário promissor da luta do povo indígena no Sertão de Alagoas”, diz, otimista.

Dificuldades, porém, são enfrentadas pelo já reduzido e precarizado corpo técnico e humano da Funai. Em 2024, um Grupo de Trabalho que atuava com a comunidade Kayankó, em Água Branca, foi alvo de ameaças.

“Houve denúncia à Polícia Federal, que investigou, ouviu os acusados. O trabalho que estava sendo concluído, naquela etapa, nós estamos agora para retomar, e vamos entrar na fase de delimitação do território”, detalha o professor.

Segundo ele, para funcionamento dos Grupos de Trabalho nos territórios em Alagoas, é necessário a atuação de servidores da Funai de outros estados, apoiados sistematicamente por força policial e sob ordem judicial. “Protegemos quando não deixamos ninguém daqui se envolver, protege quando atua mediante ordem judicial e protege ao articular com as forças policiais”, completa.

Ações recentes mostram um trabalho contínuo da Funai no processo de territorialização indígena. Albuquerque ressaltou o fechamento de uma pedreira em área no território Wassu Cocal, em Joaquim Gomes e classificou-o como um "grande avanço". A exploração ocorria de forma irregular, inclusive por indígenas.

Outra intervenção citada pelo gestor foi a interdição de um parque aquático no município de Palmeira dos Índios construído em terra indígena, que estava 95% concluído em setembro deste ano. A obra foi suspensa pela Justiça Federal em agosto do ano passado.

A homologação da terra Xukuru Kariri, ainda não realizada pelo presidente Lula e que é “embarreirada”, segundo o coordenador na Funai, por tráfico de influência político, encontra em Alagoas eco através do partido Solidariedade. Em ação recente, a legenda, a partir da articulação do presidente estadual Adeilson Bezerra com o presidente nacional, Paulinho da Força, ingressou com uma ação como amicos curae (amigo da corte) no STF na mesa de negociações sobre o Marco Temporal Indígena, contra o que chamam de “ameaça que dez mil pessoas vivem de perderem suas terras devido à demarcação”. O partido diz que a iniciativa fortalece a luta de cerca de duas mil famílias e mais de 10 mil pessoas que dependem da agricultura familiar e da criação de animais na região.

O judiciário alagoano tem sido um aliado no cumprimento da legislação e para que as pautas indígenas avancem em Alagoas. O coordenador da Funai ressaltou o papel do Ministério Público Federal em Alagoas (MPF-AL) na cobrança e execução das demandas, destacando o trabalho do procurador Elliab Soares, a quem descreveu como "comprometido e zeloso".

Sobre a estrutura da Funai, Albuquerque alertou para a carência de profissionais, com um déficit de mil servidores à nível nacional. "Há um projeto histórico de sucateamento do órgão, seja em sua estrutura física, orçamento ou quadro humano. O recente concurso convocou 500 servidores, mas há outros 5 em processo de aposentadoria", afirmou. Ele ressaltou que a defasagem compromete o atendimento e que a atuação tem sido feita no limite.

Mesmo com a elaboração de um projeto de reforma da sede da Funai em Alagoas, que contou com a contratação de um escritório especializado, não há garantia de que a obra será realizada. "O prédio está deteriorado por dentro e por fora", lamentou.

Em relação às negociações de compensação territorial para a duplicação da BR-101, que têm impacto nos povos Wassu-Cocal, Karapotó, Karapotó Plak-ô e Kariri-Xocó, as tratativas foram realizadas pela Funai em Brasília, mas, mesmo após a assinatura do acordo, dificuldades persistem. "Os povos indígenas enfrentam problemas com o DNIT e a empresa contratada, incluindo questões ligadas à aquisição de bens e à regularização de terras", explicou.

O Governo de Alagoas, que chegou a criar na atual gestão do governador Paulo Dantas (MDB), uma superintendência de Políticas para Povos Indígenas de Alagoas, é alvo de críticas por parte de Albuquerque, apesar dos elogios à atuação voltada a educação dos povos originários no estado.

“Foram feitas escolas indígenas e essa é uma realização louvável, mas foi só. Não se trabalha as questões dos poços de água, perfuração desses locais. O estado não fez uma perfuração no ano passado. Das 11 demandas que apresentamos, nenhuma foi efetivada.

Ele também cobrou maior compromisso de parlamentares e governos dos municípios com as populações indígenas. "Os indígenas não são apenas responsabilidade do governo federal. Eles são cidadãos dos municípios e do Estado de Alagoas", afirmou.

Segundo ele, há falta de priorização política para essas comunidades, o que se reflete na ausência de emendas parlamentares destinadas aos povos indígenas em Alagoas, ao contrário do que acontece com os vizinhos pernambucanos e sergipanos. "Do deputado ao senador, não temos uma emenda sequer voltada para os indígenas. Não há abertura", concluiu.