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Independente do país de origem, essência do doce de leite é a mesma

Por Folha de Pernambuco 26/03/2015 13h01
Independente do país de origem, essência do doce de leite é a mesma

O argentino é mais escurinho e fluido. O mineiro, denso e de caramelo ligeiramente claro. Alguns encontrados no interior de Pernambuco, chamados de caroçudo ou cortado, têm pedacinhos que conseguem ser sentidos no paladar. Independente da origem, o doce de leite é essencialmente o mesmo, segundo regulamentação de qualidade seguida por todos os países do Mercosul: leite e açúcar aquecidos até se tornarem um creme marrom e aveludado - com adição de um ou outro ingrediente a mais. Algum deles pode ser considerado melhor? Sabores mostra, nesta sexta (20), a opinião de especialistas no assunto.

Doce de leite, caros leitores, é coisa séria. Tanto que é merecedor de um regulamento técnico seguido por todos os países do Mercosul e cujo objetivo é preservar identidade e qualidade desse quitute. Ou seja, produtores do Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela atendem a várias regrinhas para manter o padrão e garantir que as características do icônico doce latino sejam sempre as mesmas. Mas, claro, a depender da região na qual é feito e das mãos que tomam conta do tacho - seja ele caseiro ou industrial -, pequenos detalhes tornam uma marca diferente da outra. Alguma pode ser considerada superior? Nesse quesito, especialistas afirmam, categoricamente, que "não". As preferências de cada paladar e para qual finalidade o produto será empregado ditam o melhor.

Antes de mais nada, é preciso entender que o doce de leite, como o nome entrega, é um leite adocicado. Quem observa separadamente os ingredientes base (leite e açúcar) não imagina do que, juntos, eles são capazes. Ao passarem por um longo e delicado cozimento, se condensam, ganham textura untuosa, sabor característico, difícil de encontrar paralelos, e uma apetitosa cor caramelo - essa graças à notória reação de Maillard, tão aclamada no mundo gastronômico por escurecer e intensificar o gosto dos alimentos. Quanto mais tempo cozinhar em fogo baixinho, ensina Vitória Barros, da pernambucana Campo da Serra, mais escuro e cremoso fica. À mistura, também é acrescido o bicarbonato de sódio, que influencia na coloração e ajuda o leite, durante o processo, a não talhar, suavisando a textura final. Nos argentinos, por exemplo, a substância é comumente adicionada em quantidade maior, por isso o doce de leite hermano é ligeiramente mais "bronzeado".


Particularmente, Vitória prefere o feito em casa, na proporção de dois litros de leite - não vale o de caixinha - e uma xícara e meia de açúcar. Como trabalha diariamente com o insumo, na lida com seus queijos nobres, ela sabe a importância da bebida para a produção do icônico recheio do alfajor e lembra o quão tradicional é a bacia leiteira argentina. "As vacas vivem em pastos amplos, gastam menos energia e se alimentam com boa ração. Isso se reflete no leite, que ganha em gordura e robustez. Por essa razão, algumas pessoas tendem a achar o doce feito por lá melhor, mas é do paladar de cada um e a qualidade não é exclusividade dos argentinos. Os produtores nacionais utilizam ingredientes tão bons quanto", analisa.

Gerente de produção da mineira Itambé, Jeferson Costa explica que consegue fazer, com os mesmos produtos usados no doce de leite da marca, um doce estilo argentino, mais fluido e escuro, como descreve. "Não é isso que o público quer, entretanto. No Brasil, especialmente em Minas Gerais, estamos acostumados a um tipo mais denso, clarinho. Está na nossa memória afetiva. É muito mais uma questão de gosto do que de qualidade, da tecnologia usada no processo e da finalidade do doce. O nosso é bastante consumido puro e é excelente para ser usado em sobremesas, como churros".

Mesmo tendo vivido e estudado gastronomia no Equador, onde o consumo do dulce de leche, popularmente conhecido como manjar branco, é bastante forte, a chef consultora Taciana Teti prefere o doce de leite cortado - que nem se enquadra no padrão do Mercosul -, aquele com pedacinhos que podem ser sentidos no paladar, muito comum no Sertão pernambucano. "Me lembra infância na casa do interior, com minha vó", recorda. Para comer puro, contudo, não abre mão do mineiro por achar o argentino açucarado e gorduroso além da conta. O pudim, considerado por ela uma confort food (comida confortável, afetiva), só fica bom, vejam só, com o quitute feito a partir de uma lata de leite condensado, na pressão.

Na confeitaria não existe doce de leite específico para cada receita, dispara a chef pâtisserie Anna Corinna. "Tanto um argentino quanto um nacional podem se adequar à preparação porque têm qualidade semelhante, já que a bacia leiteira de Minas é desenvolvida e bastante especializada. É necessário, apenas, que ele esteja em harmonia com os demais ingredientes. Eu faço meu doce de leite, lisinho, sem cristais de açúcar. Do jeitinho que eu gosto. Tem quem ame, no entanto, o aerado na língua. Acho que é impossível comparar um ao outro". E finaliza: "Te dar prazer, esse é o único critério para eleger um deles melhor".